Da CONJUR
Parece que a onda de saques e violência na Inglaterra, no ano passado, teve
seu lado bom. O governo britânico acredita que a resposta
rápida do Judiciário frente aos revoltosos serviu para mostrar que a Justiça
criminal pode ser mais ágil e efetiva. Com base na experiência vivenciada, o
governo está propondo uma reforma no sistema. A ideia inicial, divulgada nesta
semana, é aumentar a participação dos juízes leigos e o uso da tecnologia. As
propostas anunciadas ainda dependem de discussão dentro do próprio governo antes
de serem postas em prática e oficialmente enviadas para análise do
Parlamento.
Atualmente, um caso criminal de menor gravidade demora em média cinco meses
para ser julgado na Inglaterra, contados a partir da data em que o crime foi
cometido até a sentença. Para o Ministério da Justiça, é muito. O plano do
governo é agilizar os trâmites para que os casos sejam julgados em dias e,
quando possível, em apenas algumas horas. “Justiça tardia é Justiça negada,
especialmente para as vítimas”, afirmou Nick Herbert, o ministro britânico
responsável pela Polícia e Justiça Criminal.
No ano passado, dias depois da onda de protestos em Londres, já começaram a
sair as
primeiras condenações. De acordo com o Ministério da Justiça, só no primeiro
mês depois dos protestos, 1,7 mil pessoas foram denunciadas e quase 18% foram
julgadas. O governo analisou a agilidade e concluiu que grande parte dela foi
resultado do trabalho dos julgadores fora do horário comercial. Logo depois dos
protestos, tribunais funcionaram durante as noites e nos finais de semana. A
ideia, então, é fazer com que a experiência vire regra.
Mais de 90% dos casos criminas na Inglaterra e no País de Gales são
resolvidos nas chamadas Magistrates’ Courts, espécie de Juizado
Especial. Nessas cortes, todos os julgadores são juízes leigos e voluntários,
que trabalham meio período e alguns dias no ano, apenas. Eles lidam com crimes
de menor potencial ofensivo, como infrações de trânsito, pequenos furtos e perturbação da ordem pública. Podem aplicar penas de
até seis meses de prisão ou multas de até 5 mil libras (cerca de R$ 15 mil). Os
julgamentos nunca são monocráticos. As decisões são tomadas sempre em grupos de
três juízes.
A proposta do governo é ampliar o horário de funcionamento das
Magistrates’ Courts ou, pelo menos, modificar para que elas possam
funcionar durante as noites e nos finais de semana. Assim, um acusado preso pela
Polícia numa sexta-feira à noite, por exemplo, não precisa esperar até
segunda-feira para ser ouvido e julgado.
O governo também quer que, em alguns casos repetidos, os juízes leigos possam
decidir sozinhos. Por exemplo, nas acusações contra moradores que não pagam a
licença obrigatória no Reino Unido para assistir televisão e nas pequenas
infrações de trânsito. Segundo o relatório do Ministério da Justiça, essas duas
ofensas representam quase metade dos casos julgados pelas Magistrates’
Courts e raramente são contestadas pelos acusados. As punições são
previsíveis e, ainda assim, a lei hoje exige que o colegiado se reúna para
decidir.
Os crimes mais graves, como estupros e assassinatos, são julgados pela
Crown Court, que é onde acontecem os juízes. Lá, um caso demora cerca
de 10 meses para ser solucionado — o dobro que o tempo médio nas
Magistrates’ Courts. O que o governo pretende é reduzir o número de
casos que vão para esses tribunais e concentrar tudo que possível na mão dos
julgadores leigos. Para isso, o governo quer modificar a legislação para os
crimes menos graves que hoje podem ser julgados tanto pelos leigos como pelos
juízes togados. A proposta é impedir que as Magistrates’ Courts
declinem da competência para julgar alguns casos um pouco mais graves que as
infrações comuns. Nesses, no entanto, o réu continuaria tendo o direito de
escolher ser julgado pelos leigos ou pelos togados.
Justiça sem papel
O governo está propondo, para
otimizar os gastos do sistema judicial criminal e aumentar a eficiência, reduzir
o uso do papel, começando já do inquérito na Polícia. De acordo com o Ministério
da Justiça, até o final do ano, todas as unidades policiais estarão habilitadas
para transmitir inquérito e provas eletronicamente para a Procuradoria, que
também envia o processo para as Magistrates’ Court por meio eletrônico.
Os promotores hoje já vão para os julgamentos munidos de tablet, em vez
de páginas e páginas de papel.
A aposta para reduzir a demora por um veredicto também está nas
videoconferências. De acordo com o Ministério da Justiça, estão sendo investidos
10 milhões de libras (cerca de R$ 30 milhões) em vídeo-tecnologia. Depoimentos
de vítimas, testemunhas e mesmo de acusados são feitos por meio de
videoconferência, mas o governo quer tornar a prática mais comum. O plano também
é ampliar o uso da tecnologia para a Polícia, para que os policiais responsáveis
por uma investigação possam interrogar prisioneiros detidos em outra área.
Faxina na Justiça
A reforma na Justiça criminal
é mais um passo da remodelação que o governo britânico vem propondo no
Judiciário inglês e do País de Gales. Entre os planos já anunciados, está o
polêmico fechamento
de 142 tribunais da Inglaterra e do País de Gales, confirmado em dezembro de
2010.
A Inglaterra e o País de Gales têm atualmente 530 cortes de Justiça. Dessas,
330 são Magistrates’ Courts, espécie de Juizado Especial; 219 são
County Courts, o equivalente britânico aos tribunais estaduais; e 91,
Crown Court Centres, que cuidam dos processos criminais e são onde
acontecem os júris (a soma dá mais de 530 porque o mesmo tribunal pode abrigar
duas cortes diferentes).
Serão fechadas 93 Magistrates’ Courts e 49 County Courts,
mas o governo não explicou quando os tribunais encerram as atividades e de que
maneira os funcionários, inclusive juízes, serão realojados. Com o fechamento
das cortes, o governo estima poupar 41,5 milhões de libras esterlinas (cerca de
R$ 130 milhões) e, com a venda de ativos, arrecadar outros 38,5 milhões (cerca
de R$ 120 milhões). Do dinheiro economizado e arrecadado, o Estado prometeu
investir 22 milhões de libras esterlinas (quase R$ 70 milhões) para aprimorar as
cortes que vão absorver o trabalho das falecidas.
Também está em discussão no Parlamento projeto
de lei que corta um sexto do orçamento destinado à assistência judiciária na
Inglaterra e no País de Gales e prevê medidas para reduzir a reincidência no
crime. Hoje, o governo britânico gasta mais de 2 bilhões de libras esterlinas
(mais de R$ 5 bilhões) com assistência judicial. O corte representaria uma
economia anual de 350 milhões de libras esterlinas (cerca de R$ 875 milhões)
para os cofres públicos.
Já a reincidência é vista como um dos grandes problemas da área criminal. De
acordo com dados divulgados no final de 2010 pelo Ministério da Justiça, metade
dos prisioneiros na Inglaterra e no País de Gales comete outro crime em até
um ano após a liberdade.
Aline
Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na
Europa.
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