Da CONJUR
A Justiça de São Paulo considera que um bem público pode ser objeto de ação
de usucapião por uma empresa. A decisão vale apenas para casos que envolvam bem
dominial já desafetado, ou seja, aqueles que não servem ao uso comum (praças e
ruas) ou especial (escolas e hospitais). Assim, entram na lista terras e
terrenos. O entendimento é da 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça do estado, que rejeitou recurso interposto pela
Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec) contra decisão que
favorecia a empresa Copersteel, que tenta obter o título do terreno que ocupa. A
decisão, do dia 22 de maio, foi por maioria de votos.
“A norma constitucional que estabelece que os bens públicos são insuscetíveis
de usucapião deve ser interpretada de acordo com a destinação do bem. E o bem já
desafetado não tem mais destinação pública”, afirmou a relatora, desembargadora
Lucila Toledo. Para ela, a possibilidade de usucapião de bem público é garantida
de acordo com a “função social” da empresa.
O entendimento, porém, é controverso. Na primeira instância, por exemplo, o
pedido de usucapião foi negado. A decisão foi reformada no TJ-SP,
entretanto, a corte não foi unânime, conforme acórdão lavrado em maio do ano
passado.
O relator do caso, desembargador João Carlos Garcia, vencido no julgamento,
considerou que “não se aplicam aos bens públicos, de que categoria sejam, as
normas de aquisição do domínio pela posse longeva, mansa e pacífica do
administrado; tampouco, a regência civil do compromisso de compra e venda.
Impedem-nas a disciplina constitucional da soberania do Estado".
Imbróglio histórico
A questão envolvendo o Distrito
Industrial remonta a 1974, quando a Prefeitura de Campinas fundou a Emdec.
Criada para gerenciar a implatação do distrito e responsável pela venda de lotes
às empresas que desejassem se instalar no local, faliu pouco depois. Atualmente
é responsável pelo gerenciamento e planejamento do transporte público de
Campinas.
Segundo o processo, os entraves para a regularização fundiária são dois: a
enorme dívida fiscal da Emdec, que impossibilita a obtenção da certidão negativa
de débito, documento necessário para a alienação de bens imóveis, e a demora no
pagamento das indenizações devidas aos antigos proprietários do terreno.
“Isso travou o Distrito Industrial de Campinas. Foram 30 anos perdidos”,
afirma o advogado Eduardo Garcia de Lima, que defende a
Copersteel na demanda. Ele diz que a ausência de um título definitivo de
propriedade tem gerado dificuldades para seu cliente. “Se a empresa precisar de
um empréstimo no BNDES e tiver que fornecer o terreno como garantia, está
impedida”, diz.
Em 2005, a Copersteel entrou com pedido de usucapião para 26 lotes — de um
total de 86 — adquiridos no Distrito Industrial. A empresa ocupa uma área de 45
mil metros quadrados. "Trabalhamos como se fosse uma pessoa qualquer, usamos a
tese [do usucapião] para pessoa jurídica", diz Lima.
Para o advogado, a decisão deve beneficiar outras 50 empresas da região. “O
fato deve nortear o TJ. É uma inovação na interpretação do texto jurídico que
pode ser a solução para o Distrito Industrial”, pondera.
O departamento jurídico da Emdec confirma que existem outras empresas em
situação semelhante à da Copersteel, como Sifco (aço) e a Mabe (de
eletrodomésticos, proprietária das marcas GE e Dako), mas não disse quantas.
Afirmou também que não deve recorrer da decisão.
Apelação Cível 9172311-97.2007.8.26.0000
Embargos
Infringentes 2012.0000303597
Elton
Bezerra é repórter da revista Consultor Jurídico.
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