Do blog do NOBLATPor Merval Pereira, O Globo
Na política, há um momento em que ninguém é de ninguém que se define com uma
expressão trazida da linguagem nordestina: a situação está de vaca não
reconhecer bezerro. Brasília vive tal momento de aflição pela expectativa de um
futuro tumultuado na economia, que tem naturalmente reflexos na política.
Nesses momentos, não há certeza de nada, e muitas especulações povoam o
imaginário normalmente fértil dos políticos. Como sempre, o centro de tais
especulações é o ex-presidente Lula, de quem depende o futuro de muita
gente.
Lula está de posse de todas as suas capacidades natas que fazem dele o grande
líder político que é, ou a doença deixou-o sem condições plenas de fazer o que
mais sabe, articulações políticas para ampliação ou manutenção do poder?
A jogada paulistana, com a escolha de Fernando Haddad e a aliança malufista,
é um movimento que levará o governo a arrombar a fortaleza tucana, ou será a
prova de que o ex-presidente já não é mais o mesmo?
O que há por trás dos movimentos do PSB de enfrentamento do PT em várias
capitais?
Lula tem uma agenda própria com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos,
ou, ao contrário, Campos prepara-se para abandonar o barco governista diante da
expectativa de um futuro que evidenciará a fadiga de material de um partido que
completará 12 anos de poder nacional e espraiou sua influência em todos os
níveis governamentais, a ponto de tirar o fôlego de seus aliados?
E a relação da presidente Dilma Rousseff com seu “criador”, como vai? Em
público, a presidente não perde oportunidade para elogiar Lula, prestando-lhe
todas as homenagens possíveis.
Na prática, vem adotando posturas governamentais que vão de encontro a
pontos-chave da política lulista. A mais recente delas é a reviravolta que deu
na política de gestão da Petrobras, recolocando a empresa no caminho da boa
gestão corporativa, refazendo orçamentos, cancelando projetos, retirando da
empresa qualquer resquício de politização.
A presidente Dilma Rousseff, sem fazer alarde, vem tentando, por exemplo,
aprovar no Congresso algumas das chamadas “reformas estruturais” de que o país
tanto necessita, relegadas pelo governo Lula quando este desistiu delas para
encontrar caminhos mais fáceis de lidar com as corporações e os partidos
políticos.
Em vez das reformas da Previdência, trabalhista, tributária, Lula descobriu o
atalho do Bolsa Família. O governo Lula neutralizou a ação congressual, montando
uma enorme aliança política com partidos completamente distintos
programaticamente, mas com um ponto em comum: nenhum deles dá mais valor ao
programa do que aos benefícios que possa obter apoiando o governo da
ocasião.
Ao mesmo tempo, o governo tratou de controlar os chamados “movimentos
sociais” com verbas generosas e espaços de atuação política quase sempre
neutros, popularmente conhecidos como “oposição a favor”.
A política sindical é o melhor exemplo dessa neutralização dos eventuais
adversários. A Força Sindical, de Paulo Pereira, deixou de disputar poder com a
CUT, e juntas ampliaram o espaço de atuação sindical.
Uma manobra nesse sentido foi a inclusão das centrais sindicais na
distribuição da verba do imposto sindical obrigatório, que um dia Lula prometeu
acabar.
A presidente Dilma conseguiu aprovar, depois de muitos anos, a regulamentação
dos fundos de previdência do funcionalismo público, aprovados no raiar do
governo Lula, mas nunca colocados em prática.
A mudança do sistema de aposentadoria dos funcionários públicos é dos pontos
mais importantes da reforma da Previdência.
De fato, o governo tem agora uma nova batalha na reforma da Previdência, com
a tendência majoritária no Congresso de terminar com o fator previdenciário,
mecanismo criado há 12 anos, ainda no governo Fernando Henrique, para inibir
aposentadorias precoces do INSS.
A presidente já mandou um recado à sua base parlamentar: só aceita o fim do
fator previdenciário se conseguir acordo para o estabelecimento da idade mínima
de aposentadoria, que seria de 60 anos (mulheres) ou 65 (homens) para os novos
trabalhadores, além de uma legislação que obrigue os que entraram recentemente
no mercado de trabalho a permanecer mais tempo na ativa.
Caso contrário, deverá vetar qualquer proposta que apenas acabe com o fator
previdenciário.
A ansiedade provocada pela visão que considera tecnicista do governo faz com
que a base aliada crie uma agenda paralela de aumento dos gastos públicos que
nada tem a ver com a decisão do governo de manter uma política fiscal rígida
durante a crise econômica internacional.
Mesmo sem descuidar da parte do crédito, a arma utilizada pelo governo Lula
para enfrentar a crise em 2008, o governo Dilma dá grande importância à
manutenção do equilíbrio fiscal, para não perder a credibilidade dos
investidores.
Por isso, a agenda política do Congresso de aumentos de diversas categorias
não está em sintonia com a do Planalto.
A decisão da presidente de não participar da eleição municipal, anunciada
ontem, é mais um sinal do seu distanciamento do dia a dia da política
partidária, o que causa desgaste interno, mas aumenta sua popularidade,
especialmente junto à classe média, da qual provém.
A presidente Dilma equilibra-se entre atitudes republicanas que não
privilegiam sua base aliada e um populismo intervencionista na economia, que lhe
dão credibilidade junto à opinião pública.
E vai levando sua base aliada da melhor maneira que consegue, abrindo os
cofres eventualmente para acalmar os ânimos.
Mas, quanto maior sua aceitação pela população, mais se afasta de seus apoios
políticos, o que é um paradoxo de difícil solução.
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