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Cleide Carvalho e João Paulo Saconi
Entre os acusados está o ex-presidente da Vale, a própria mineradora e a consultoria Tüv Süd. Pelos menos 259 pessoas morreram e 11 ainda estão desaparecidas
Equipe do Corpo de Bombeiros durante trabalho para resgate de vítimas em Brumadinho Foto: Divulgação
SÃO PAULO e RIO - O Ministério Público (MP) de Minas Gerais denunciou nesta terça-feira, por homicídio duplamente qualificado, 16 pessoas pelo rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. Entre os denunciados estão o ex-presidente da Vale Fabio Schvartsman, 11 funcionários da mineradora e cinco da consultoria Tüv Süd, que atestou a estabilidade da barragem. As duas empresas também foram denunciadas. O caso tramita na 2ª Vara Criminal de Belo Horizonte.
Para pessoas físicas, o crime de homicídio qualificado prevê pena de 12 a 30 anos de prisão, com prazo de prescrição de 20 anos. O MPMG afirma que vai trabalhar firme para que todos sejam punidos e não ocorra esvaziamento na esfera da Justiça.As acusações são multiplicadas por 270 vezes - o número de mortos da tragédia. Para os investigadores, o crime foi praticado por meio que resultou em perigo a um número indeterminado de pessoas, sem possibilidade de defesa das vítimas.
Os denunciados devem ser julgados pela Justiça Estadual, no Tribunal do Júri em Brumadinho.
Os crimes ambientais são contra a fauna e a flora, além do crime de poluição, previsto na lei 9.605/1998. A lama atingiu áreas localizadas até 9 km da barragem.
A tragédia aconteceu há um ano, em 25 de janeiro de 2019 e deixou 270 mortos - 11 corpos ainda estão desaparecidos. O Instituto Médico Legal (IML) de Minas ainda trabalha na análise de 41 achados nas áreas de busca.
A denúncia do MP é a primeira com efeitos práticos para levar os envolvidos à Justiça. Até aqui, outras frentes de investigação — incluindo cinco Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) — já tinham indicado possíveis culpados. Elas não tinham, no entanto, poder de processo e julgamento.
Os outros 10 funcionários da Vale denunciados ocupavam cargos de chefia na época da tragédia ou faziam parte da equipe de engenharia. São eles: Silmar Magalhães Silva (diretor do Corredor Sudeste); Lúcio Flavo Gallon Cavalli (diretor de Planejamento e Desenvolvimento de Ferrosos e Carvão); Joaquim Pedro de Toledo (gerente-executivo de Planejamento, Programação e Gestão do Corredor Sudeste); Alexandre de Paula Campanha (gerente-executivo de Governança em Geotecnia e Fechamento de Mina) e César Augusto Paulino Grandchamp (especialista em Geotecnia do Corredor Sudeste). Na equipe de engenharia pertecente a diferentes áreas, foram denunciados Cristina Heloíza da Silva Malheiros, Washington Pirete da Silva e Felipe Figueiredo da Rocha.
No caso da Tüv Süd, foram denunciados o gerente-geral da empresa alemã, Chris-Peter Meier; os consultores técnicos Arsênio Negro Júnior, André Jum Yassuda e Makoto Namba e o especialista técnico Marlísio Oliveira Cecílio Júnior
Além da denúncia à Justiça, o MP pediu a prisão cautelar do gerente-geral da consultoria alemã, com o argumento que ele não contribuiu para as investigações. Os promotores admitem que há risco de a lei penal não ser aplicada, já que Meier vive na Alemanha, e que podem pedir a colaboração das autoridades alemãs.
'Ditadura corporativa', critica promotor
O promotor William Garcia Pinto Coelho, do núcleo criminal da força-tarefa que investigou a tragédia de Brumadinho, afirmou que o crime cometido pelo grupo perdurou de novembro de 2017 a 25 de janeiro de 2019, quando a barragem desmoronou. No período, a Vale e a Tüv Süd teriam, conforme acredita o MP, produzido "uma gestão de risco opaca".
Segundo Coelho, um sistema computacional, batizado de GRG, continha informações sobre dez barragens em situação de risco inaceitável, mas essas informações foram ocultadas da sociedade, de acionistas, investidores e do poder público. A Barragem 1 de Brumadinho, que desmoronou. estava entre elas.
Para o promotor, a Vale manteve uma "caixa preta" sobre o risco da barragem, que culminou com a tragédia em Brumadinho.
— A Vale promoveu uma ditadura corporativa. Ditadura na medida que impôs à sociedade e ao poder publico decisões que ele ocultavam de acionistas, investidores e da sociedade e do poder público.
As outras barragens incluídas na lista de "risco inaceitável" estão sendo monitoradas e alvo de auditorias pagas pela Vale, mas direcionadas ao Ministério Público. Esse trabalho, segundo o MP, tem gerado alertas à população da área, como ocorrido nos casos de Itabira e Ouro Preto.
E-mail de alerta gerou retaliação interna
Coelho afirmou que o ex-presidente da Vale omitiu as informações de risco das barragens para preservar a imagem da empresa e de sua gestão, que tinha como um dos principais objetivos de curto prazo fazer com que a mineradora a alcançasse liderança mundial em valor de mercado.
Para alcançar seu objetivo, afirmou o promotor, Fabio Schvartsman assumiu riscos inaceitáveis e criou incentivos corporativos não para evitar resultados graves, mas para omiti-los.
O promotor lembrou que Schvartsman chegou à presidência da Vale pouco depois de a Samarco ter sido transformada em ré na tragédia de Mariana, cujo deslizamento de barragem poluiu o Rio Doce, mas deixou o lema "Mariana nunca mais" apenas no papel, sem qualquer medida concreta para evitar que de fato novas tragédias voltassem a ocorrer.
— Num cenário de gestão crítica, com situação inaceitável, ele não adotou medidas e manteve incentivos para maquiar os problemas corporativos e a falsa impressão de segurança da vale — afirmou.
Segundo Coelho, foram emitidas declarações falsas de segurança do ponto de vista técnico e corporativo. Na parte técnica, explicou, a Vale pressionava empresas de auditoria, como a Tuv Sud, a assinar documentos atestando a segurança de barragens em risco. Na área corporativa, o presidente da Vale dizia em eventos para investidores e acionitas, que as barragens estavam em "condições impecáveis de segurança"
O promotor afirmou que Schvartsman deu ordens para identificar e retaliar um denunciante anônimo, que encaminhou para ele no dia 9 de janeiro de 2019, poucos dias antes da tragédia, um email, gerado na Alemanha, alertando sobre o risco que a barragem 1 de Brumadinho gerava às pessoas.
— Ele deu duro comando de retaliação, mandando extirpar aquele 'cancro' da corporação. Foi um recado muito poderoso de uma regra informal, não escrita, de que problemas não deveriam chegar à alta cúpula — disse Coelho.
Para o promotor, esse comando do então presidente da mineradora, encaminhado às áreas de Ouvidoria, Ética e Governança e Auditoria Interna Global, mostra que a mineradora tinha ambiente hostil para tratar os riscos das barragens. Não havia qualquer proteção aos chamados denunciantes de boa fé. Ao contrário, houve esforço para identificar e punir o denunciante.
O que dizem os envolvidos
Em nota, a Vale se disse perplexa com as acusações de dolo (homicídio intencional) e que confia no completo esclarecimento das causas da ruptura da barragem B1, em Brumadinho. Para a empresa, é prematuro afirmar que havia risco consciente "para provocar uma deliberada ruptura da barragem". A mineradora afirmou que mantém seu compromisso de continuar contribuindo com as autoridades.
A Tüv Süd afirmou, também em nota, que "continua profundamente consternada pelo trágico colapso da barragem em Brumadinho" e que as investigações sobre a causa do rompimento continuam, e que "muitos dados de diferentes fontes precisam ser compilados, apurados e analisados". A empresa reiterou compromisso com as instituições no Brasil e na Alemanha, onde fica sua sede.
A defesa do ex-presidente da Vale afirmou que "Fabio Schvartsman assumiu a Presidência da Vale em maio de 2017, e desde então tomou diversas medidas para reforçar a segurança em barragens e ampliar consideravelmente os recursos destinados à área".
"Denunciar Fabio por homicídio doloso é açodado e injusto. Açodado porque as investigações não estão finalizadas. A polícia federal já declarou que os laudos definitivos sobre as causas do acidente ficarão prontos em junho. Injusto porque desconsidera todos documentos apresentados às autoridades, que revelam a ausência de comunicação de quaisquer problemas em Brumadinho à Presidência da Vale", diz a nota.
Segundo a defesa, a existência de email com denúncia anônima de funcionário da empresa, que menciona "barragens no limite", "não pode fundamentar uma acusação grave de homicídio, ainda mais quando presentes laudos subscritos por técnicos de renome que atestavam a segurança das estruturas".
Veja a lista de denunciados
Da Vale:
1. Fabio Schvartsman (diretor-presidente);
2. Silmar Magalhães Silva (diretor do Corredor Sudeste);
3. Lúcio Flavo Gallon Cavalli (diretor de Planejamento e Desenvolvimento de Ferrosos e Carvão);
4. Joaquim Pedro de Toledo (gerente-executivo de Planejamento, Programação e Gestão do Corredor Sudeste);
5. Alexandre de Paula Campanha (gerente-executivo de Governança em Geotecnia e Fechamento de Mina);
6. Renzo Albieri Guimarães de Carvalho (gerente operacional de Geotecnia do Corredor Sudeste);
7. Marilene Christina Oliveira Lopes de Assis Araújo (gerente de Gestão de Estruturas Geotécnicas);
8. César Augusto Paulino Grandchamp (especialista técnico em Geotecnia do Corredor Sudeste);
9. Cristina Heloíza da Silva Malheiros (engenheira sênior junto à Gerência de Geotecnia Operacional);
10. Washington Pirete da Silva (engenheiro especialista da Gerência Executiva de Governança em Geotecnia e Fechamento de Mina);
11. Felipe Figueiredo Rocha (engenheiro civil, atuava na Gerência de Gestão de Estruturas Geotécnicas).
Da Tüv Süd:
1. Chris-Peter Meier (gerente-geral da empresa);
2. Arsênio Negro Júnior (consultor técnico);
3. André Jum Yassuda (consultor técnico);
4. Makoto Namba (coordenador);
5. Marlísio Oliveira Cecílio Júnior (especialista técnico).
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