A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento de que a obrigação alimentar extinta, mas que continua a ser paga por mera liberalidade do alimentante, não pode ser mantida com fundamento no instituto da surrectio – fenômeno jurídico que, dentro de uma relação contratual, faz surgir um direito não convencionado pelas partes, em razão de seu exercício por longo período de tempo.
Em audiência realizada em 2001, as partes firmaram acordo pelo qual o ex-marido se comprometeu a pagar à ex-mulher o plano de saúde e pensão alimentícia pelo período de 24 meses. Expirado o prazo – e negado judicialmente o pedido para que a pensão fosse prorrogada por mais 24 meses –, o ex-marido, por conta própria, permaneceu arcando com a verba alimentícia por cerca de 15 anos. Em 2017, o alimentante decidiu suspender o pagamento.
A ex-mulher, com fundamento no artigo 422 do Código Civil, defendeu a continuidade dos alimentos, afirmando a existência de obrigação de trato sucessivo e que a pensão alimentícia não poderia ser subtraída, em virtude do princípio da boa-fé objetiva.
Ao decidir pela manutenção da pensão alimentícia, o tribunal de segunda instância entendeu que o ex-marido teria criado uma expectativa de direito digna de proteção jurídica, em virtude do seu comportamento reiterado por longo período de tempo – a surrectio. O tribunal também considerou a idade avançada da alimentanda e suas tentativas frustradas de voltar ao mercado de trabalho.
Vínculo espontâneo
No voto, que foi acompanhado pela maioria da Terceira Turma, o ministro Villas Bôas Cueva afirmou que o ex-marido, por espontânea vontade, cooperou com a ex-mulher pelo período desejado, sem a existência de uma obrigação legal. Para o ministro, não houve ilicitude na suspensão do pagamento da pensão, já que não havia mais relação obrigacional entre as partes.
"A boa intenção do recorrente perante a ex-mulher não pode ser interpretada a seu desfavor. Há que prevalecer a autonomia da vontade ante a espontânea solidariedade em análise, cujos motivos são de ordem pessoal e íntima, e, portanto, refogem do papel do Judiciário, que deve se imiscuir sempre com cautela, intervindo o mínimo possível na seara familiar. Assim, ausente o mencionado exercício anormal ou irregular de direito."
O ministro também destacou que o fim de uma relação conjugal deve estimular a independência de vidas e não, ao contrário, o ócio, pois o dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges não constitui garantia material perpétua.
Distorção
Para o relator, a sentença de 2001, na qual se fundaria a execução de alimentos, não é mais exigível desde 2003, devido ao fim do prazo da obrigação (24 meses). Além disso, ressaltou que na hipótese uma sentença posterior julgou improcedente o pedido de prorrogação da obrigação alimentar para além do prazo previsto no acordo homologado.
A restauração da pensão, segundo o ministro, significaria distorcer a ordem natural, pois a aquiescência da ex-mulher em ser auxiliada não pode ser objeto de manipulação para a criação de uma obrigação inexistente. "Afinal, a boa-fé precisa ser vista sob todos os ângulos na relação processual, até mesmo para não acarretar eventual enriquecimento ilícito", concluiu.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
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