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Correspondente
Comunidade autônoma sofre com desemprego que pulou de 6,6% para os atuais 22%
MADRI — Carlos Rojas, de 32 anos, diz ser catalão e não espanhol. Este
sentimento, que supera o nacionalismo, ele expressou nesta terça-feira, ao
GLOBO, antes de sair de casa para a maior
manifestação separatista da História da Catalunha. Uma maré humana parou
Barcelona no feriado de 11 de Setembro, conhecido como ‘Diada’, sob o lema
“Catalunha, novo Estado da Europa”. Era o Dia Nacional da Catalunha, que neste
ano ganhou tom de manifestação pró-independência, deixando claro que as
estatísticas não se enganam ao concluir que os separatistas são maioria.
Há alguns anos, não era assim. Mas muitos, como Rojas, abraçaram o
separatismo nestes últimos anos de crise econômica. Ele é filho de andaluz e
galega, nascido em Barcelona. Só começou a falar catalão aos 20 anos e até cinco
anos atrás votava no Partido Socialista.
- Cada vez há mais separatistas em segmentos da população que há dois não
pensavam assim. A questão econômica e a diferença na balança fiscal, entre o
muito que a Catalunha paga para o Estado espanhol e o pouco que retorna dele,
foi o que me fizeram acreditar no independentismo. Hoje sou militante. A razão é
simples: o modelo atual é injusto - diz ele.
A Catalunha, que hoje é mais separatista do que antes da crise econômica,
sofre com uma taxa de desemprego que pulou de 6,6%, em 2008, para os atuais 22%.
Com a maior dívida da Espanha, estimada em cerca de € 5.500 por habitante, a
administração regional da Catalunha se viu obrigada a pedir um resgate ao
governo central: € 5.023 bilhões, recorrendo ao Fundo de Liquidez Autonômico.
Neste contexto de insatisfação por bolsos vazios, um mercado de trabalho
asfixiado, e tesouradas que fazem cambalear o estado de bem-estar social - no
qual se questiona as medidas de austeridade impostas por Bruxelas -, o furor
nacionalista também responde, segundo analistas, à reivindicação de um pacto
fiscal com Madri.
Aprovado em julho pelo Parlamento catalão sem o apoio de socialistas (PSC) e
populares (PP), este novo modelo de financiamento permitiria o controle total da
Agência Tributária regional na gestão dos impostos pagos pelos catalães. Mas
para entrar em vigor, falta uma parte difícil: ser submetido a uma negociação
entre Mariano Rajoy (PP), presidente do Governo espanhol, e Artur Mas,
presidente catalão (do partido nacionalista conservador Convergência e União),
que se reunirão no próximo dia 20.
- Se não há acordo sobre o pacto fiscal, o caminho em direção à liberdade
está aberto - disse Mas, cujo modelo fiscal, porém, não é o que almejam os
separatistas, ávidos por independência e não apenas mais autonomia.
Desde 2009, consultas sobre a independência começaram a mobilizar os cidadãos
comuns, artistas, intelectuais, professores universitários. E movimentos
independentistas repletos de catalães que não estão necessariamente vinculados a
partidos políticos vêm ganhando força.
Eleições podem ser antecipadas
Em março deste ano, por exemplo, foi criada a separatista Assembleia Nacional
Catalã. Uma de suas promessas é mudar o nome de Praça da Espanha, presente em
mais de 40 cidades catalãs, para Praça da Independência. Os chamados
catalanistas — catalães imbuídos do sentido de preservação das tradições,
cultura, e língua — não são, por regra, independentistas. Mas a crise financeira
fez muitos abraçarem a causa separatista. Outros defendem que a Catalunha está
vivendo uma mudança de percepção: a independência, até há pouco inalcançável,
passou a ser vista como viável.
Ambas as teses foram retificadas por pesquisas: somente 21% dos catalães
votariam “não” em um plebiscito pela independência da Catalunha. Mas, nos
últimos dez anos, cresceu de 36% para 51% o número dos que votariam pelo “sim”.
E esse crescimento ficou refletido na 1,5 milhão de manifestantes que
participaram da Diada - numa Barcelona cuja população é de 1,6 milhão de
pessoas.
Os separatistas reivindicam um referendo pela autodeterminação ou a
declaração unilateral de independência e impõem ao Parlamento catalão que faça a
proclamação no prazo máximo de dois meses. Duas prefeituras (Sant Pere de
Torelló e Calldetenes) aprovaram, pela primeira vez, uma moção para declarar-se
“territórios catalães livres sem intervenção estrangeira” — ou seja, espanhola.
Os separatistas exigem a abertura das negociações com o governo central para “a
boa resolução da fase de transição ao “novo Estado da Europa”.
O referendo não é permitido pela Constituição espanhola, mas convocado pelo
presidente catalão teria reconhecimento internacional.
- Já a declaração unilateral de independência não seria reconhecida
internacionalmente porque exigiriam que fosse referendada pela população —
explica Antoni Abat, professor de Direito Constitucional do Esade.
As possibilidades dividem até os separatistas.
- A Catalunha está numa panela de pressão; pode explodir. Seja com
manifestações nas ruas ou, inclusive, com protestos não organizados - adverte
Anna Arque, porta-voz da Alianza Europeia pela Independência, sem acreditar que
tal plebiscito será, mesmo, convocado.
Mas ela alerta para o possível adiantamento, da eleição catalã, prevista para
2014, para o ano que vem. A onda separatista, diz, poderia fazer emergir das
urnas um presidente independentista. E abrir caminho para o referendo.
Juan Subirats, da Universidade Autônoma de Barcelona, discorda.
“Tudo será melhor com a independência? Melhor para quem? Eu sou europeísta
convencido, mas não a qualquer preço nem em qualquer Europa. O mesmo digo sobre
a Catalunha independente”, avaliou ele, no artigo “Momentos de confusão”,
publicado pelo “El
País”.
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