Da CONJUR
O Supremo Tribunal Federal não está flexibilizando
sua jurisprudência em ações criminais ao julgar a Ação Penal 470, o processo
do mensalão, garantiu o ministro Gilmar Mendes, nesta quinta-feira (6/9),
durante o julgamento do processo. Mendes respondeu a provocação do presidente da
corte, ministro Ayres Britto, que disse ter lido nos meios de comunicação "que o
Supremo estaria decidindo nessa causa de modo a se colocar quase que em rota de
colisão com sua própria tradição de observância das garantia constitucionais do
processo”.
Gilmar Mendes respondeu que o STF tem adotado a jurisprudência consolidada em
outros julgamentos de processos relativos à corrupção. “Todos [os ministros]
procuraram analisar o caso detidamente, fugindo a qualquer pretensão de adotar
uma ideia de responsabilidade objetiva ou coletiva”, disse. “Tem se falado muito
que violamos a jurisprudência da Ação Penal 307 [Caso Collor] sobre o ato de
ofício”, lamentou.
Celso de Mello também defendeu a atuação do Supremo na condução do julgamento
da Ação Penal 470. “O tribunal deixou claro então [na AP307] e voltou, ao meu
juízo, a reafirmar agora que não há necessidade de que se pratique concretamente
um determinado ato, mas, sim, que o ato que se busca seja um ato primeiro, que
se inclua na esfera de atribuições funcionais do agente”, reiterou o decano da
corte, ministro Celso de Mello.
Três condenados
A corte encerrou, nesta quinta-feira,o
julgamento do item cinco da Ação Penal 470, condenando, pelo crime de gestão
fraudulenta de instituição financeira, três executivos do Banco Rural. Apenas a
ex-vice-presidente do banco, Ayanna Tenório foi absolvida. Na tarde desta
quinta-feira, votaram os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello
e o presidente do tribunal, ministro Ayres Britto.
Ayanna Tenório foi absolvida apenas do crime de gestão fraudulenta. A ré
responde ainda, junto com os outros três dirigentes do banco, por imputações
referentes aos crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de
quadrilha. No entanto, como nove ministros disseram estar convencidos de que
Ayanna Tenório, como recém contratada, não tinha sequer “condições técnicas” de
interferir na renovação dos empréstimos fraudulentos, é improvável que a ré seja
condenada por outros crimes.
A então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e o ex-vice-presidente
operacional José Roberto Salgado foram condenados por unanimidade. A
ex-vice-presidente Ayanna Tenório foi absolvida por nove votos a um, e o atual
vice-presidente da Vinícius Samarane foi condenado por oito votos a dois. O
ministro relator Joaquim Barbosa foi o único que acolheu integralmente a
acusação e condenar os quatro. Já o revisor, ministro Ricardo Lewandowski,
acompanhado do ministro Marco Aurélio, votou pela absolvição de Ayanna e
Samarane. Os sete outros ministros absolveram apenas Ayanna Tenório.
O ministro Gilmar Mendes, o primeiro a votar nesta quinta-feira, retomou
aspectos abordados por outros ministros que o antecederam. O ministro citou como
evidência dos crimes atribuídos aos réus o fato de as “concessões temerárias de
crédito” terem ocorrido a partir de cadastros incompletos dos contraentes e por
meio de “manobras contábeis e escriturais”, que maquiavam a não amortização dos
empréstimos. Mendes observou, ainda, o risco assumido pelo banco ao incidir no
não provisionamento de capital, dado o risco assumido com os empréstimos
fraudulentos. Gilmar Mendes observou que, dessa forma, o banco incorreu na
diminuição da liquidez e na descapitalização da instituição.
O ministro afirmou ainda que é farta a prova documental, inclusive de
natureza técnica, trazida pelo Ministério Público e aproveitou para criticar o
argumento da defesa de que as renovações de empréstimo, por não implicarem em
nova injeção de recursos por parte do banco, eram procedimentos mecânicos, que
dispensavam o juízo dos réus.
Críticas às fatias
Segundo a votar nesta quinta, o
ministro Marco Aurélio começou seu voto criticando novamente o fatiamento do
julgamento. “Seria pertinente nós vogais termos uma visão conjunta do processo,
uma visão conjunta do que foi elaborado pelo relator e revisor”, disse Marco
Aurélio.
“Não há crime por presunção”, disse Marco Aurélio ao absolver Vinícius
Samarane. O ministro disse que, embora Samarane dirigisse a área de controle
interno do banco, ele não operava a parte financeira, já que o setor atuava
mais sob o ângulo administrativo. “Antes, se ter um culpado solto do que um
inocente preso”, observou Marco Aurélio. O ministro ainda observou que Samarane
subscreveu o relatório que encobria as fraudes em conjunto de mais de uma dezena
de outros funcionários. “A situação dele não é diferente dos demais que
subscreveram o relatório e não foram acusados pelo Ministério Público Federal”,
ponderou.
Já o ministro Celso de Mello fez referência à doutrina do domínio funcional
do fato para justificar a condenação de Samarane e absolver Ayanna Tenório,
votando, assim, de acordo com a linha de pensamento aberta pelo voto da ministra
Rosa Weber.
Celso de Mello afirmou que, quando o crime é praticado em concurso de
pessoas, não é necessário que todos os réus tenham praticados todos os atos
ilícitos. Samarane, afirmou o ministro, “incluía-se no itinerário criminoso” ,
tomando parte da produção de documentos que tinham por fim omitir as fraudes
embora não tenha participado destas.
“Cada co-autor tem a sorte do fato total em suas mãos, através do cumprimento
de uma função específica na perpetração de um projeto criminoso”, disse Celso de
Mello ao citar o jurista Claus Roxin, autor da obra “Autoria e Domínio do Fato
em Direito Penal”.
Despersonalizar as diferenças
Celso de Mello elogiou
também em seu voto o esforço do ministro Luiz Fux, durante sua fala na
quarta-feira (5/9), de aproximar a questão dos crimes financeiros a aspectos
constitucionais. Para o decano, a regulação penal de crimes dessa ordem buscam
garantir o cumprimento de um mandamento constitucional, uma vez que tratam da
segurança da ordem econômico-financeira.
O ministro também procurou, durante o seu voto, despersonalizar as
diferenças de ponto de vista entre os ministros sobre a matéria em julgamento.
Celso de Mello observou que, como decisão colegiada, a solução emana do Supremo
e não individualmente, e que, dessa forma, o veredito se sobrepõe às figuras dos
ministros.
No entanto, a despeito do esforço do decano, o ministro Joaquim Barbosa
insistiu em lembrar de sua atuação à frente da condução do processo. “Espero que
nunca esqueçamos os ataques covardes de que fui alvo tendo como sempre pano de
fundo essa açao penal”, disse o ministro relator.
Rafael
Baliardo é repórter da revista Consultor Jurídico em
Brasília.
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