Por Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
O Supremo Tribunal Federal tem examinado a ação penal do mensalão com um olho
nos autos e outro nos prazos. Este, sim, pode-se dizer que tenha como referência
a opinião pública de que tanto reclamam os advogados de defesa.
Ainda que por hipótese remota não houvesse mais condenação alguma daqui em
diante, existe a expectativa em torno do destino efetivo dos réus já
condenados.
Serão presos, cumprirão de alguma forma as penas ou daqui a dois anos estarão
levando vida normal, cuidando das respectivas atividades como se nada de
diferente houvesse ocorrido que pudesse abalar a rotina de suas vidas?
O exemplo da primeira condenação de um deputado federal pelo STF desde que as
regras mudaram e a Justiça deixou de precisar de autorização prévia do Congresso
para processar parlamentares.
Natan Donadon foi condenado em outubro de 2010 pelos crimes de peculato e
formação de quadrilha por ter desviado, junto com outros sete réus, dinheiro da
Assembleia Legislativa de Rondônia, quando ocupava o cargo de diretor
financeiro, em 1995. Até hoje, no entanto, está em liberdade por causa de
embargos de declaração apresentados pela defesa e ainda não julgados.
A condenação a 13 anos, quatro meses e dez dias de prisão, mais multa de 66
salários mínimos, ocorreu por ato semelhante ao do deputado João Paulo Cunha.
Donadon pagou R$ 8 milhões a uma agência de publicidade por serviços não
prestados e mediante emissão de notas fiscais frias.
Foi relatora a ministra Cármen Lúcia, acompanhada pela unanimidade do
colegiado na condenação por peculato que expôs a mesma lógica agora adotada no
julgamento do mensalão no tocante aos quesitos ato de ofício e domínio do
fato.
"Fugiria do limite do razoável imaginar que uma pessoa que exerce o cargo de
diretor financeiro da Assembleia Legislativa, ao efetuar pagamento de serviços
que custaram milhões de reais não tivesse a obrigação de se informar se eles
estariam sendo devidamente prestados", argumentou Cármen Lúcia à época.
O presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto, está atento ao risco de a
postergação se repetir. Por isso já articula no tribunal uma alteração de
procedimentos, assim como foi feito para evitar que o contraditório entre
ministros resultasse em pane processual.
Pedirá aos magistrados que "encurtem" seus votos e, uma vez encerrado o
julgamento, examinem os embargos em tempo exíguo. Se possível, em cinco dias a
contar da apresentação.
Lá como cá. O Brasil mudou, a composição do Supremo é outra,
a amplitude dos crimes também. Mas um traço de união existe entre o julgamento
que absolveu Fernando Collor em 1994 e o que vai condenando os réus do mensalão:
os pecados da soberba e da preguiça.
Naquele processo a acusação, mal instruída, acreditou na força da opinião
pública. Agora foi a vez de a defesa apresentar-se desleixada, confiante no peso
das formalidades jurídicas.
Boca do caixa. Quando resistiu às investidas de Lula para se
submeter passivamente à sua vontade e aderir à campanha de Fernando Haddad
depois de ter sido preterida, a senadora Marta Suplicy pareceu rebelar-se contra
a política feita na base do manda quem pode e obedece quem tem juízo.
Agora se vê, não era bem assim. Tão generosas quanto equivocadas e mesmo
ingênuas foram as avaliações sobre sua capacidade de preservar autonomia feitas
inclusive neste espaço.
Era, na verdade, tudo uma questão de preço. No caso, o Ministério da Cultura,
em troca do qual Marta deixou de lado a opinião de que o "amadrinhamento" de
Haddad seria inútil e até desrespeitoso para com o eleitor, para assumir o papel
de fada madrinha do candidato na periferia.
A natureza humana de fato tarda, mas raramente falha.
Comentários:
Postar um comentário