sexta-feira, 25 de abril de 2014

HISTÓRIA: Há 30 anos, o fim de um sonho

De GLOBO.COM.BR
RAPHAEL KAPA

Derrota da emenda das diretas ocorreu após onda de mobilizações, e um um país em transição
O ano das Diretas também foi de transformações em outros aspectos da sociedade - Reproduções
RIO - Há exatos 30 anos, completados hoje, chegava ao fim um sonho que mobilizou gerações: o de votar para presidente. Em 25 de abril de 1984, a emenda Dante de Oliveira foi derrotada no Congresso Nacional, após um ano de intensa mobilização popular. A onda de manifestações varreu o país em 41 comícios. No dia 25 de abril, foram montadas vigílias para acompanhar a votação. Houve 298 votos a favor da emenda das diretas, 65 contra, três abstenções e 113 ausentes _ mas faltaram 22 votos para que ela fosse aprovada. Com isso, ficou dispensada a votação pelo Senado. Nas ruas do país, o clima era de frustração.
Mas a ditadura militar definhava e, no ano seguinte, o Congresso elegeu Tancredo Neves para a Presidência da República.
Enquanto a política brasileira saía - lentamente - das mãos dos militares para os civis, o país se transformava. O rock genuinamente brasileiro "invadia as praias" junto com um verão sufocante de 37,5ºC no litoral carioca. A temperatura quente chegou até o ABC paulista com a repressão às greves do chamado "Novo Sindicalismo", enquanto os garotos da avenida Paulista usavam tênis Montreal para "proteger contra micróbios" e moletom com capuz. O ano de 1984, marcado pelas Diretas Já, também foi o ano da efervescência dos movimentos sociais e culturais.
— O Brasil passava por uma transição não só política. Até mesmo a transição política não é singular. Existia a condução para a volta dos civis ao poder mas, em paralelo ao processo de abertura, passaram a surgir movimento identitários que se reivindicavam politicamente. Eram os movimentos campesinos, sindicalistas, os grupos GLS, hoje, LGBTS, as feministas e vários outros que surgiam a todo momento — afirma Bianca Vieira, pesquisadora sobre a cultura dos anos 80.
O cinema, calado durante anos com a censura do regime militar, trazia para as telonas as reivindicações desses grupos por meio de produções que narravam o passado, mas traziam questões para aquele presente. Era o caso de "Cabra marcado para morrer" de Eduardo Coutinho, cuja produção foi interrompida logo após o golpe de 1964, e "Jango", de Silvio Tendler.
— Quando comecei a produzir "Jango", queria mostrar que era possível fazer justiça social. Era o próximo passo, na minha visão, para desconstruir os ideais do regime. Amigos e parceiros meus fizeram muita pressão para que eu conseguisse lançar o filme em 1982, ano de eleições para os estados, mas para o filme que queria fazer não deu tempo. Acabou que "Jango" catalisou mais ainda a insatisfação que gerou o movimento das Diretas Já — afirma Tendler.
Invasão eletrônica
Não eram somente transformações políticas que pautavam o país. Trinta anos antes do país regular um marco civil para a internet, foi aprovada a "Política Nacional de Informática" com a proposta de estimular e desenvolver a informática no Brasil com uma reserva de mercado para empresas nacionais. A meta era que em oito anos a produção nacional competisse de igual para igual com a estrangeira. A proposta não conseguiu chegar até seu prazo final. Em 1991, uma nova lei foi feita para atrair investimentos do capital estrangeiros.
Sucesso eletrônico da época foi o Atari 2600, recém-lançado no Brasil. Nas prateleiras dos Estados Unidos desde 1978, o videogame só chegou no Brasil em 1983. Jogos como Pac-Man, Space Invaders, Pitfall e Enduro foram os mais vendidos junto com o aparelho que teve 30 mil unidades vendidas em seu primeiro lote. Cada Atari 2600 custava cerca de 200 mil cruzeiros.
A invasão eletrônica chegou até nas novelas. Na trama de "Transas e Caretas", de Lauro César Muniz, Thiago, personagem de José Wilker, que representava a modernidade, tinha um robô chamado Alcides como seu mordomo.
— Foi uma época de mudanças que eram difíceis de serem projetadas. Você via, até pelo contexto econômico do período, poucas tecnologias no Brasil e quando se deparava, em filmes, por exemplo, com produções estrangeiras, você projetava os mais variados futuros. Era de Jetsons até Planeta dos Macacos — brinca o sociólogo Carlos Eduardo Pimentel.
O rei do pop e os titãs do iê-iê-iê
Enquanto Michael Jackson batia recordes, foram com oito Grammys pelo álbum "Thriller", e Madonna descia, vestida de noiva, de um bolo de casamento cantando "Like a Virgin", o Brasil vivia a efervescência do rock nacional.
Bandas como Barão Vermelho, Legião Urbana, RPM, Ultraje a Rigor, Titãs e Blitz passaram a ser frequentes em festivais e rádios até com músicas com críticas ao regime. O comandante das Diretas Já, o então deputado Ulysses Guimarães, chegou a dar de presente ao presidente Figueiredo, como aponta o colunista Arthur Dapieve, o álbum do Ultraje com a música "Inútil" que diz "A gente não sabemos escolher presidente, a gente não tomar conta da gente (...) Inútil / A gente somos inútil".
Lança-perfume e polainas de lã
A droga lança-perfume volta as festas. Desde que sua substância originária, o cloreto de etila, foi proibido, em 1961, a sua presença havia diminuído. Com a exclusão do cloreto da lista de substância proibidas por lei pela Anvisa, o lança-perfume volta com direito a música de Rita Lee no mesmo ano.
Junto com o lança-perfume, as polainas de lã, as blusas de manga-morcego e os vestidos em formato de trapézio eram presentes nas boates da época.
— Foi uma geração de ruptura. Passaram a existir várias tribos que se vestiam, portavam e frequentavam lugares para demonstrar sua identidade. Em um processo de transição, nada mais natural que se busque um lugar e um grupo para chamar de seu — afirma a psicóloga Lucia Cavalcanti, que é pesquisadora do Grupo de Estudos Geracionais da UFRJ.

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