Da CONJUR
Os danos psicológicos podem configurar lesão corporal grave. Uma decisão rara da Justiça de São Paulo admitiu a possibilidade
ao aceitar denúncia do Ministério Público por “ofensa à saúde
psicológica” de um ex-marido contra a ex-mulher depois do fim do casamento.
Segundo o MP, o acusado promoveu campanha de ameaça, difamação e exposição da
vítima. A denúncia por lesão corporal de natureza grave (artigo 129, parágrafo
1º, do Código Penal) foi aceita no último dia 28 de setembro pela juíza Fabiana
Kumai Tsuno, da Vara Regional Sul 2 de Violência Domiciliar e Familiar contra a
Mulher, do Foro Regional II, de Santo Amaro, na capital paulista.
O denunciado é frequente em processos na Justiça. Após o rompimento, Luís
Eduardo Auricchio Bottura ajuizou centenas de processos contra advogados,
delegados, juízes, desembargadores, jornalistas e até mesmo contra a psicóloga
da ex-mulher, Patrícia Bueno Netto, com quem foi casado por três anos. No ano
passado, ele foi condenado por ameaçá-la, decisão revertida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo no dia 27 de
setembro por falta de provas. Em 2010, Patrícia foi diagnosticada com transtorno
de estresse pós-traumático.
Segundo o MP, as práticas incluíram ameaças a familiares, divulgação de
dossiês difamatórios contra as empresas da família da ex-mulher e a criação de
blogs na internet para expor a intimidade de Patrícia, de seus pais e de seus
irmãos. As mensagens e e-mails citados pela promotora Roberta Tonini Quaresma,
autora da denúncia, incluem frases como: “Você tem um passado complicado com
substâncias que descobri no decorrer do casamento e não acho que seria bom ter
uma ação de interdição ou difamação no seu histórico, mas se necessário e
cabível, será feito”; “Eu já sei que você está feia, parecendo uma chaminé, mas
eu coloco ordem na casa rapidinho”; “E aí, já engordou dez quilos, tomou pau em
todos MBA e descobriu que sem eu (sic) você não é nada?”; e “Vou casar na Itália
e renunciar à cidadania. Você nunca vai conseguir separar (sic) de mim”.
A denúncia ainda menciona que o acusado ajuizou dolosamente ações judiciais
com o “intuito de perseguir e atormentar psicologicamente Patrícia”, em
“manifesto abuso de direito”. “Patrícia e seus familiares passaram a viver em
função das ações judiciais movidas por Luiz Eduardo, fazendo com que a ofendida
se sentisse culpada por ter colocado sua família naquela situação”, diz a
peça.
A Justiça entendeu que as acusações merecem ser acolhidas para a apuração em
processo penal. “Ao que consta, com a reiteração da conduta capitulada como
contravenção penal, teria o acusado atingido o resultado correspondente à lesão
à saúde psíquica da vítima”, afirmou a juíza Fabiana Tsuno.
Trauma de guerra
A turbulenta separação entre Bottura e
Patrícia envolve agressões e ameaças de morte. Em entrevista publicada pela
revista Marie Claire em junho, a ex-mulher do empresário conta que ele
enviou um dossiê falso a vários pessoas que haviam sido convidadas para o seu
casamento, no qual chamava Patrícia de "vagabunda", entre outros palavrões, e
acusava a família dela de corrupção nos negócios. “Ele ainda levou ao Conselho
Federal de Medicina uma denúncia contra o psiquiatra, em que o acusava de
assédio sexual contra Patrícia. Ela teve de defendê-lo”, diz a reportagem.
A pedido de Bottura, a edição de junho da revista foi censurada pela Justiça.
A Editora Globo, que publica o periódico, recorreu da decisão ao Superior
Tribunal de Justiça.
À revista, Patrícia contou que, mesmo após a Justiça conceder medida
protetiva que impedia o ex-marido de chegar a menos de 50 metros dela, as
ameaças continuaram. “Ele afirmava ter armas com alcance muito maior do que 50
metros e que seria fácil me atingir. Não tive outra forma de viver a não ser
fora do país. Passei seis meses exilada na Espanha.”
As brigas e ameaças do empresário levaram Patrícia a desenvolver o transtorno
de estresse pós-traumático, doença comum em soldados sobreviventes a campos de
batalha ou vítimas de grandes tragédias.
Segundo o psiquiatra forense Hewdy Lobo, do Instituto de Psiquiatria da USP,
há casos de adoecimento mental por conta de ameaças ou ridicularizações que
podem levar à invalidez completa. "O Transtorno de Estresse Pós-traumático
ocorre em diferentes níveis de intensidade e, em alguns portadores, pode causar
incapacitação plena laboral ou de entendimento, determinação ou discernimento.
Existem níveis tão graves que podem comprometer capacidades de trabalho, cível e
penal", explica em tese, sem, no entanto, conhecer o caso de Patrícia.
"O sofrimento emocional exagerado pode alterar o funcionamento mental normal
da vítima, o que repercute em várias partes do cérebro. Muda, por exemplo, a
quantidade de sangue em certas regiões. As alterações bioquímicas e
microscópicas correspondem à lesão corporal", diz. "É plenamente possível que
uma pessoa vítima de múltiplos processos sem procedência desenvolvam o
transtorno, caso não tenha capacidade de resistir ao desgaste emocional, com
sofrimento deteriorante para as emoções e para a saúde endocrinológica."
Em novembro de 2011, a 2ª Vara Criminal e do Juizado de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher da capital paulista condenou
Bottura, por ameaçar a ex-mulher, a pena de um mês e 15 dias de detenção, que
acabou substituída por prestação de serviços à comunidade. A decisão foi
revogada pelo TJ-SP no fim de setembro. Ainda cabe recurso.
Fábrica de processos
Apenas contra 13 dos advogados de
seus desafetos, o empresário Luiz Eduardo Bottura ajuizou pelo menos 170 ações.
São queixas-crime e ações de indenização por danos morais baseadas em alegações
feitas em peças escritas nos processos judiciais. A maioria foi aceita em
Anaurilândia, pequena cidade de Mato Grosso do Sul. Até outubro de 2010, o
empresário acumulava pelo menos 239
condenações por litigância de má-fé.
Em julho de 2010, a juíza Margarida Elisabeth Weiler, de Anaurilândia, foi
aposentada compulsoriamente pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do
estado, acusada de privilegiar o empresário em processos. Responsável por um
quarto das ações que corriam na comarca em 2009, Bottura conseguiu liminares
como a que lhe conferiu pensão alimentícia de R$ 100 mil a ser paga pelo
sogro.
Segundo os prejudicados, todas as liminares foram concedidas sem que as
partes contrárias fossem ouvidas. Uma a uma, as decisões caíram em segundo grau.
Os desembargadores do TJ-MS se tornaram os alvos seguintes, com seguidas
alegações de suspeição. Segundo o advogado de Bottura, Fabrício dos Santos
Gravata, dos 31 desembargadores do estado, 25 sofreram arguições de suspeição
movidas por eles.
Outro lado
Bottura rebate as acusações. Afirma que
decisões judiciais o absolveram do crime de ameaça e não reconheceram a
distribuição de dossiês contra a família da ex-mulher e de os ofender em blogs
na internet. Segundo ele, em outra ação judicial, há documentos que comprovariam
que as mensagens ameaçadoras no celular de Patrícia saíram do próprio celular da
ex-mulher.
Ele também nega ter ajuizado os processos contra Patrícia e sua família. "Os
processos contra a família de Patrícia são movidos pela empresa do meu pai
[Luiz Célio Bottura, ex-presidente da Dersa, nomeado ombudsman da Secretaria
Municipal de Transportes de São Paulo em maio de 2011, exonerado em setembro do
mesmo ano], onde dois já foram sentenciados, todos a nosso favor, com a
declaração de que o pai de Patrícia forjou uma arbitragem e que fasilficou
documentos para lesar nossa família", contou, por e-mail.
Respondendo a questões sobre a denúncia enviadas por e-mail ao seu advogado,
Fabrício dos Santos Gravata, Bottura, que já processou a
ConJur, ameaçou entrar com nova ação. "Já fiz carga do
processo, já me dei por citado e já informei a juíza e o Ministério Público que
o segredo de Justiça foi violado, pois o senhor tem cópia da denúncia, o que é
crime e deve ser objeto de investigação", afirmou. Em petição protocolada na
Justiça, afirmou ter sido "citado" da denúncia da ex-mulher "pelos jornalistas
pagos pela senhora Patrícia Bueno Netto para fomentar o conflito".
Ao contrário do que afirmou Bottura, o processo não está em segredo de
Justiça, como se pode conferir no andamento processual — clique aqui
para ver.
Clique aqui para ler a decisão de
recebimento da denúncia.
Clique aqui para ler a
denúncia.
Ação Penal
0038488-38.2011.8.26.0002
Inquérito Policial 239/2011 - 3ª
Delegacia de Defesa da Mulher - São Paulo
Alessandro
Cristo é editor da revista Consultor Jurídico
Comentários:
Postar um comentário