Durante a sessão plenária desta quarta-feira (1º), o Plenário do Supremo
Tribunal Federal (STF) manteve, por maioria dos votos, entendimento do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) no sentido de que se torna inelegível para o cargo de
prefeito cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos na chefia de
executivo municipal, mesmo que pleiteie candidatura em município diferente. Os
ministros reconheceram que essa questão constitucional tem repercussão
geral.
A questão foi analisada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE 637485)
interposto por Vicente de Paula de Souza Guedes contra acórdão do TSE que
confirmou decisão de cassar o diploma dos candidatos eleitos para os cargos de
prefeito e vice-prefeita do município de Valença (RJ), no pleito de 2008. Por
decisão majoritária, os ministros deram provimento ao recurso, ao entender que
TSE poderia ter modificado antiga jurisprudência sobre a matéria, mas, para
isso, deveria modular os efeitos da decisão, por motivo de segurança
jurídica.
O exame do RE promoveu discussão sobre a possibilidade de prefeito reeleito
para um determinado município transferir seu domicílio eleitoral e concorrer ao
cargo de prefeito em município diverso e, assim, caracterizar o exercício de um
terceiro mandato, situação na qual poderia ser aplicada inelegibilidade prevista
no artigo 14, parágrafo 5º, da Constituição Federal. Tal hipótese foi chamada
pela jurisprudência do TSE de “prefeito itinerante” ou “prefeito
profissional”.
Vicente exerceu cargo de prefeito do município de Rio das Flores (RJ) por
dois mandados consecutivos (2000-2004 e 2004-2008) e, posteriormente,
candidatou-se e elegeu-se, no pleito de 2008, prefeito de Valença (RJ), o que
motivou a proposição de recurso pela coligação adversária contra expedição de
diploma eleitoral. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ)
negou provimento ao recurso. Porém, o TSE, ao analisar a matéria em recurso
especial, cassou o diploma do candidato eleito e de sua vice.
No RE
interposto ao Supremo, os advogados do recorrente sustentam que o acórdão
questionado violou a norma do artigo 14, parágrafos 5º e 6º, e do artigo 5º,
caput, da Constituição Federal. Alegam que o acórdão contestado não fez a
necessária distinção entre reeleição de mesmo cargo com reeleição para cargo de
mesma natureza e que “a surpreendente alteração de jurisprudência ocorrida
depois da eleição realizada afeta, de forma evidente, o princípio da segurança
jurídica, porquanto frustra a possibilidade de o indivíduo ter previsão das
consequências do ato a ser praticado”.
Segundo a defesa do prefeito, a proibição para o exercício de mais de dois
mandatos consecutivos decorre do princípio democrático da alternância de poder,
a fim de evitar a perpetuação de mesmo grupo político à frente da administração
de determinada localidade. Porém, argumenta que novo mandato em município
diverso ao anterior não encontra óbice no conceito de reeleição.
Mudança de jurisprudência
Anteriormente, o Tribunal Superior Eleitoral entendia que o prefeito reeleito
em determinado município podia candidatar-se ao mesmo cargo em outro município,
observados os prazos de desincompatibilização, domicílio eleitoral e filiação
partidária. Nas eleições de 2008, entretanto, o TSE alterou sua orientação ao
julgar o Recurso Especial Eleitoral (Respe) 32507, em que se firmou o
entendimento de que o artigo 14, parágrafo 5º, da CF veda a perpetuação no
cargo, não sendo possível o exercício de um terceiro mandato subsequente, ainda
que em município diverso.
Segurança Jurídica
O relator do processo, ministro Gilmar Mendes, deu provimento ao recurso
extraordinário e reconheceu que ao caso incide o instituto da repercussão geral.
Para ele, a alteração de jurisprudência realizada pelo TSE em dezembro de 2008 –
período da diplomação dos eleitos – poderia ter ocorrido, mas, ao fazê-lo, não
foi observado o princípio da segurança jurídica. Por esse motivo, o ministro
entendeu que houve lesão.
De acordo com o relator, houve regular registro da candidatura, bem como
legítima participação e vitória do candidato no pleito, tudo conforme as regras
então vigentes e a sua interpretação pela justiça eleitoral. “As circunstâncias
levam a crer que a alteração repentina e radical dessas regras, uma vez o
período eleitoral já praticamente encerrado, repercute drasticamente na ideia de
segurança jurídica que deve nortear o processo eleitoral, mas especificamente na
confiança do candidato e do cidadão eleitor”, afirmou.
O ministro Gilmar Mendes observou que em hipóteses de alteração de
jurisprudência de longa data, “parece sensato considerar seriamente a
necessidade de se modularem os efeitos da decisão, com base em razões de
segurança jurídica”. Ele comentou que essa tem sido a praxe do Supremo quando há
modificação radical da jurisprudência.
O princípio da anterioridade eleitoral, previsto no artigo 16 da CF, também
foi citado pelo relator. Ele afirmou que a mudança de jurisprudência do TSE está
submetida a esse princípio, “de modo que seus efeitos somente podem valer para
as eleições que se realizarem até um ano da data da sua prolação”.
Eficácia prospectiva
No caso concreto, o ministro Gilmar Mendes avaliou que apesar de ter
entendido ser inelegível para o cargo de prefeito cidadão que exerceu por dois
mandatos consecutivos cargo da mesma natureza em município diverso, a decisão do
TSE não pode retroagir para incidir sobre diploma regularmente concedido ao
autor do RE, vencedor das eleições de 2008 para a prefeitura de Valença
(RJ).
Dessa forma, o relator entendeu que as decisões do TSE que no curso do pleito
eleitoral ou logo após o seu encerramento implicar mudança de jurisprudência não
têm aplicabilidade imediata ao caso concreto, somente terão eficácia sobre
outros casos do pleito eleitoral posterior. Acompanharam o voto do relator a
ministra Rosa Weber e os ministros Luiz Fux, Dias Toffoli, Cezar Peluso, Marco
Aurélio e Celso de Mello.
Divergência
Pelo desprovimento do recurso apresentado pelo prefeito de Valença, votaram
os ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ricardo Lewandowski e
Ayres Britto.
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