Por JOSÉ PAULO KUPFER - O Estado de S.Paulo
Desde que se descolou dos analistas do mercado, há pouco mais de um ano, o
Banco Central tem acertado bem mais do que errado. Suas avaliações da conjuntura
e o desenho das perspectivas macroeconômicas que elabora, base para a expressiva
redução promovida nos juros básicos, têm sido, em grande medida, confirmadas
pela realidade. O fato é que, acertando ou não, a autoridade monetária continua
sob fogo de barragem de críticas à sua atuação.
Essas críticas insistentes, que querem fazer acreditar ter havido um abandono
não declarado do tripé de metas e normas no qual se assenta o modelo vigente de
estabilidade monetária, não têm origem nas ambiguidades dos documentos
produzidos e veiculados pelo BC sobre a evolução da conjuntura econômica e as
ações de política monetária. São antes fruto de visões sedimentadas da dinâmica
econômica, visivelmente desatualizadas em certos casos, que nem mesmo a
comunicação mais transparente seria capaz de abalar. Mas nem por isso é possível
dizer que o BC tem cumprido bem o papel crucial de indicar com clareza os alvos
que persegue e os caminhos que escolhe para atingi-los.
A economia global, depois da instalação da crise de 2008, tem ensejado
cambalhotas conceituais que muitos estão se revelando incapazes de acompanhar.
Operar economias com taxas de juros reais negativas por longos períodos, em meio
a um ambiente global de baixo crescimento ou recessão, é um novo desafio para os
responsáveis pelas políticas econômicas, ainda sem respostas convincentes.
Assim, flexibilizar regras estabelecidas e experimentar caminhos alternativos
são atitudes, mais do que aceitáveis, exigidas para momentos de transição em que
as verdades conhecidas não funcionam mais como antes.
Exatamente por serem inovadores, os novos movimentos de política econômica
precisam ser disseminados para o público da forma mais clara possível. É aí que
o nosso BC tem contribuído menos do que deveria para coordenar expectativas e
reduzir o ruído num ambiente de tantas incertezas. Se a mensagem é a de que o
mundo mudou, os meios usualmente usados para transmitir as mensagens também
deveriam mudar.
O conjunto de documentos oferecidos ao público pelo BC, dentro do sistema de
metas de inflação, não passou por atualizações dignas de nota desde a sua
introdução há 13 anos. A abertura da informação do voto de cada integrante do
Copom foi a mudança mais relevante em mais de uma década, na qual se instalou
uma crise de grandes proporções e enormes consequências. Os relatórios continuam
escritos em legítimo "coponês", o idioma rococó só acessível a iniciados,
característico das atas das reuniões do Copom.
Referência nesse departamento, o formato dos "papers" do Federal Reserve está
a anos-luz de distância do que é produzido no congênere brasileiro. Sem falar no
uso de outros espaços de comunicação, como é o caso da entrevista coletiva
concedida pelo presidente do Fed, logo após o encerramento, pelo menos a cada
duas reuniões do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc), o Copom deles.
Comparados com a abertura de informações das atas das reuniões do Fomc, os
textos das atas do Copom parecem códigos criptografados. A propósito, na ata da
última reunião do comitê americano, divulgada na quarta-feira, estão expostos
detalhes de um debate sobre a necessidade de ampliar o grau de abertura de
informações nos seus documentos, com a divulgação de metas explícitas para um
maior número de variáveis com as quais o Fed constrói seus cenários (para ler,
em inglês, acesse http://migre.me/bXbFD).
É preciso lembrar, para não cometer injustiças, que os membros do Fomc
desfrutam de mandato fixo, o que não ocorre no caso dos membros do Copom. Essa
diferença, institucionalmente relevante, pode explicar a distância entre o grau
de abertura dos votos no Fomc e no Copom, assim como o nível de detalhamento da
transcrição das discussões nas reuniões dos dois comitês.
Mas não é argumento para justificar enigmas que pipocam nos relatórios do BC,
caso da "estabilidade das condições monetárias por um período de tempo
suficientemente prolongado", como "estratégia mais adequada para garantir a
convergência da inflação para a meta, ainda que de forma não linear".
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