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Chefe da Secom recebe por meio de empresa da qual é sócio dinheiro de TVs e de agências de publicidade contratadas pelo governo
Por 4 votos a 2 e mesmo sem instaurar uma investigação, a Comissão de Ética Pública da Presidência de República arquivou nesta terça-feira (18) denúncia sobre conflito de interesse que envolve o chefe da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), Fabio Wajngarten.
Como revelou a Folha em janeiro, por meio de uma empresa da qual é sócio majoritário (a FW Comunicação), o secretário recebe dinheiro de TVs e de agências de publicidade contratadas pelo próprio órgão que ele comanda, ministérios e estatais do governo Jair Bolsonaro.
Apesar dos indícios contra o secretário, que levaram a Polícia Federal a abrir um inquérito contra ele para investigar práticas de corrupção e peculato, a maioria do colegiado da Presidência o autorizou a prosseguir no governo —apesar de Wajngarten deter 95% das cotas da empresa.
No placar, votaram a favor de Wajngarten o relator do caso, Gustavo Rocha, os conselheiros André Tavares e Milton Ribeiro e o presidente da comissão, Paulo Henrique Lucon. A favor da abertura da investigação se posicionaram Erick Vidigal e Ruy Altenfelder.
Fabio Wajngarten, chefe da Secom, e Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio da Alvorada, em Brasília - Ueslei Marcelino/Reuters - 19.nov.2019
Segundo o presidente da comissão, o fato de Wajngarten não exercer mais cargo na gestão da empresa é o suficiente para que ele possa continuar como sócio majoritário. Lucon ponderou, no entanto, que o caso pode ser retomado caso surjam novos indícios na investigação da PF.
“Não pesou na questão ética. Na análise da legislação cabível, não pesou. Neste momento, em razão das funções que a empresa exerce de controle da concorrência, não haveria qualquer conflito de interesse na visão da Comissão de Ética”, disse.
A defesa do secretário já havia apresentado os seus argumentos escritos para o órgão federal. Mesmo assim, foi autorizado ao advogado de Wajngarten, Fernando Fernandes, participar do encontro desta terça-feira na comissão.
Segundo relatos de presentes, durante exposição oral, ele acusou a Folha de tentar “forçar uma decisão” junto à Comissão de Ética e disse que a imprensa persegue o secretário de comunicação.
Questionado, Lucon disse que a presença do advogado, o que não era comum em gestões anteriores, faz parte de um procedimento recente de abertura de defesa prévia. Segundo ele, o argumento da defesa contra a imprensa não pesou na decisão.
“Esta Comissão de Ética não pode se pautar pela imprensa. Evidentemente, que o papel [da imprensa] é importante, prestando informações. É relevantíssimo, levamos em consideração o que foi noticiado. Mas é claro que a análise tem que ser objetiva e dentro da norma existente”, disse.
Fabio Wajngarten tem carreira no mercado como sócio da Controle da Concorrência, empresa que monitora inserções comerciais em veículos de mídia para o mercado publicitário. Antes de assumir a chefia da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República, passou o controle da sua empresa FW Comunicação para Fabio Liberman. Ele já apoiava Jair Bolsonaro antes da eleição Pedro Ladeira/Folhapress
A denúncia contra Wajngarten, baseada em reportagens da Folha, foi ingressada por PT, PSOL e PC do B. O relator do caso, Gustavo Rocha, foi ministro dos Direitos Humanos da gestão Michel Temer e, atualmente, é secretário de Justiça e Cidadania do Distrito Federal, na gestão de Ibaneis Rocha (MDB).
Após a decisão da Comissão de Ética, Wajngarten utilizou a comunicação oficial da Presidência da República para divulgar uma nota em sua defesa. O texto avalia o arquivamento do caso na comissão como um "marco na defesa" do chefe da Secom.
"Prevaleceu a verdade e o bom senso. Não há nada de aético ou ilegal na atuação do secretário Fábio Wajngarten, à frente da Secretaria de Comunicação. A denúncia arquivada é um atestado de idoneidade a ele."
O texto ainda acusa a Folha de fazer uma "insidiosa campanha" contra Wajngarten com "calúnias" e "difamações" que, segundo ele, "se revelaram infrutíferas".
A legislação vigente proíbe integrantes da cúpula do governo de manter negócios com pessoas físicas ou jurídicas que possam ser afetadas por suas decisões. A prática implica conflito de interesses e pode configurar ato de improbidade administrativa, se demonstrado benefício indevido. Entre as penalidades previstas está a demissão do agente público.
Os precedentes da comissão de ética, em casos como o do secretário, são de aplicar uma advertência e recomendar que o agente público deixe a sociedade. Em ao menos um caso a proposta da comissão foi a de propor exoneração de servidor que ocultou seus negócios das autoridades.
A lei que busca prevenir o choque entre os interesses público e privado na administração federal veda ao servidor de qualquer escalão exercer atividade que implique “a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão dele ou de colegiado do qual participe”.
Ela também proíbe o agente público de “praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão”.
OUTROS CASOS
Figueiredo foi acusado de esconder que, antes de assumir o cargo, tinha trabalhado para uma operadora de planos de saúde, mesmo setor que o órgão fiscaliza.
No ano seguinte, o então ministro da Saúde de Dilma, Arthur Chioro, esteve na mira da comissão por ser dono de uma empresa de consultoria na área de saúde, a Consaúde.
Inicialmente, ele havia passado suas cotas para o nome da esposa, mas a comissão só arquivou uma denúncia contra o ministro após ele comprovar que a empresa foi desativada.
O colegiado recomendou a Chioro "observar, em especial, que, na eventualidade da retomada das atividades da empresa Consaúde, evite a configuração de conflito de interesse tal como previsto" na lei.
A Comissão de Ética Pública da Presidência
O que é
Colegiado que funciona como instância consultiva do presidente da República e dos ministros em matéria de ética pública. Entre outras atividades, fiscaliza a aplicação do Código de Conduta da Alta Administração Federal e investiga práticas em desacordo com as normas nele previstas.
O que deve ser discutido
A comissão avaliará se abre investigação sobre o fato de o chefe da Secom, Fabio Wajngarten, ser sócio majoritário de uma empresa que recebe dinheiro de TVs e agências de publicidade contratadas pela própria secretaria, ministérios e estatais do governo Bolsonaro. A comissão, no entanto, pode decidir já se recomenda alguma providência a respeito ou se arquiva o caso.
Composição
São sete integrantes designados pelo presidente da República, mas uma cadeira está vaga. Cada um tem mandato de três anos, podendo haver recondução ao cargo. Os membros do colegiado não recebem remuneração
Quem são:
Paulo Henrique dos Santos Lucon - Atual presidente da comissão, foi nomeado em março de 2018, no governo Michel Temer. É advogado e professor de direito civil
Erick Biill Vidigal - Nomeado em maio de 2018. É chefe de gabinete em exercício da Secretaria-Geral do Ministério Público da União
André Ramos Tavares - Nomeado em outubro de 2018. É professor de direito da USP
Ruy Martins Altenfelder da Silva - Nomeado em outubro de 2018. Advogado, é presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas e da Academia Cristã de Letras
Gustavo do Vale Rocha - Nomeado em novembro de 2018. Advogado, é secretário de Justiça e Cidadania do Distrito Federal e ex-ministro de Estado dos Direitos Humanos
Milton Ribeiro - Nomeado em maio de 2019, no governo Bolsonaro. É doutor em educação pela USP e mestre em direito constitucional pela Universidade Presbiteriana Mackenzie