Da CONJUR
José Dirceu, ministro-chefe da Casa Civil no primeiro mandato do governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não só tinha conhecimento da compra de
apoio político no Congresso Nacional pelo PT como liderou o esquema denunciado
pela Procuradoria-Geral da República. Foi o que decidiu, nesta terça-feira
(9/10), o Supremo Tribunal Federal.
Apesar de a
análise do capítulo seis da denúncia não ter sido concluída — ainda faltam votar
os ministros Celso de Mello e Ayres Britto nesta quarta-feira (10/10) — já se
formou maioria pela condenação de Dirceu pelo crime de corrupção ativa. O
ex-ministro de Lula está condenado por seis votos a dois. Os ministros Ricardo
Lewandowski e Dias Toffoli votaram pela absolvição de José Dirceu.
Também já está condenado o ex-presidente do PT, José Genoíno, por sete votos
a um, e o ex-tesoureiro do partido, Delúbio Soares, por oito votos. Os dois pela
acusação de corrupção ativa, junto com os publicitários Marcos Valério,
Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, sócios das empresas SMP&B e DNA
Propaganda, e Simone Vasconcelos, funcionária dos publicitários. Rogério
Tolentino, advogado de Valério, foi condenado por seis votos a dois.
Os ministros ainda decidiram absolver Geiza Dias, ex-funcionária de Marcos
Valério. Apenas o ministro Marco Aurélio votou pela condenação neste caso, por
considerar que ela efetivamente participou do esquema como pessoa de confiança
de Valério, que instruía as agências bancárias para fazer os pagamentos aos
deputados e políticos. O ex-ministro dos Transportes do governo Lula, Anderson
Adauto, foi absolvido, até agora por unanimidade, por falta de provas de que
participou, efetivamente, do mensalão.
Os seis ministros que votaram pela condenação de Dirceu — Joaquim Barbosa,
Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio — entenderam
que as provas demonstram que o ex-ministro de Estado participou, de fato, da
articulação política para fechar o acordo com os partidos em troca de “vantagens
indevidas” e chancelou os atos que se seguiram aos acordos: o repasse de
dinheiro para deputados e políticos do PMDB, PP, PL (atual PR) e PTB, que
compunham a base aliada.
A maioria do Supremo rechaçou a ideia de que o ex-tesoureiro do PT, Delúbio
Soares, atuou sem o conhecimento de Dirceu e Genoíno. Nas palavras do presidente
do Supremo, Ayres Britto, que deu a entender que também votará pela condenação,
não se pode acreditar que Delúbio tenha feito “carreira solo”. Segundo o
ministro Marco Aurélio, “tivesse Delúbio Soares de Castro a desenvoltura
intelectual e material a ele atribuída, certamente não seria apenas o tesoureiro
do partido".
"Poupem-me desse desejo de atribuir a José Genoíno, com a história de vida
que ele tem, tamanha ingenuidade", disse, ainda, Marco Aurélio. "Dizer a essa
altura que não há elementos para condenar José Genoíno é um passo demasiadamente
largo", concluiu.
Com a conclusão deste capítulo da denúncia, o Supremo já selou a condenação
de 30 dos 37 réus que respondem à Ação Penal 470. Nos mais de dois meses de
julgamento até agora, o Supremo já decidiu que houve desvio
de recursos públicos por meio da Câmara dos Deputados e do fundo Visanet, que
tem como acionista o Banco do Brasil.
Também ficou decidido que houve lavagem de dinheiro e gestão
fraudulenta por meio do Banco Rural, que viabilizou o chamado "valerioduto"
e que alguns dos principais políticos de partidos da base aliada receberam
dinheiro para apoiar o governo Lula no Congresso Nacional. Agora, decidiram que
os comandantes do PT e o chefe da Casa Civil à época foram os mandates da
distribuição de dinheiro e articuladores do esquema.
Pela absolvição
Os ministros Ricardo Lewandowski e Dias
Toffoli votaram pela absolvição de José Dirceu. Os dois teceram fortes críticas
à denúncia do Ministério Público em relação ao ex-ministro de Lula. Na semana
passada, Lewandowski afirmou que José Dirceu até pode ter sido o chefe do
esquema, mas o MP não conseguiu provar
isso. E o julgamento se faz com base em provas.
Lewandowski também votou por absolver José Genoíno. No início da sessão desta
terça-feira, o revisor do processo voltou a falar sobre as provas em relação ao
ex-presidente do PT e disse que ele foi denunciado e seria eventualmente
condenado simplesmente por ter sido o presidente do partido. O ministro trouxe
documentos que distribuiu aos colegas para mostrar que não havia provas contra
Genoíno.
Já Dias Toffoli afirmou que, ainda que as acusações contra José Dirceu fossem
válidas, o Ministério Público errou na imputação do crime. O ministro sugeriu
que, de acordo com a denúncia, caberia pensar mais na ocorrência de tráfico de
influência, advocacia administrativa ou até corrupção passiva, mas não corrupção
ativa.
Como o ministro revisor, Toffoli disse que o MP não provou corrupção ou errou
na imputação dos crimes possivelmente cometidos por José Dirceu. “Delúbio e
Genoíno são citados por vários réus. Estes que falaram em CPI, à Polícia Federal
e em juízo, o que dizem sobre o réu José Dirceu? Nada”.
“Nenhuma acusação se presume provada. O MP tem de demonstrar de maneira
inequívoca, para além de qualquer dúvida, a culpa do acusado”, sustentou
Toffoli. Ainda de acordo com ele, o MP não discute a legitimidade do papel de
articulador político do chefe da Casa Civil. Mas não fez nenhuma prova no
sentido de que Dirceu agiu além de sua articulação normal de quem ocupava a
chefia da Casa Civil. A única prova seria o depoimento do corréu Roberto
Jefferson (PTB).
Pela condenação
Mas a maioria dos ministros considerou
que havia, sim, provas de que Dirceu era quem chancelava os acordos entre o PT e
os partidos da base aliada de Lula. De acordo com o ministro Marco Aurélio, o
depoimento de Jefferson se soma a diversas outras provas do processo. Segundo o
ministro, era Dirceu quem chancelava os acordos com os partidos.
Os seis ministros que votaram pela condenação de Dirceu, Genoíno e Delúbio
acompanharam o voto
do relator, ministro Joaquim Barbosa. Na semana passada, Barbosa voltou a se
referir à viagem feita por Marcos Valério, seus colaboradores e políticos da
base aliada do governo a Portugal, em 2003, que os réus alegam ter sido motivada
por conta da aquisição pelo grupo português da Telemig e por outros interesses
secundários.
O relator observou que Marcos Valério, além de encontrar com o presidente da
Portugal Telecom, Miguel Horta e Costa, e de "reiterados encontros" com
dirigentes de empresas do país, foi também recebido pelo ministro das
comunicações de Portugal, Antonio Mexia. "Marcos Valério falava, de fato, em
nome de José Dirceu, e não como um pequeno e desconhecido publicitário de Minas
Gerais. Era o seu broker", afirmou Barbosa. "A viagem ficou comprovada
e o contexto impede que se acolha a superficial explicação da defesa de
Valério", acrescentou.
O ministro Gilmar Mendes observou que o voto do relator não levou em conta
apenas o depoimento de Roberto Jefferson. “Foram consideradas as declarações de
outros corréus e de várias testemunhas”, disse Mendes ao citar ao menos 20
depoimentos. Apesar de discordar, ele também elogiou com firmeza o trabalho do
revisor, ministro Ricardo Lewandowski.
Gilmar Mendes disse que "há uma realidade que transparece dos autos"
indicando que os crimes surgiram a partir do projeto de crescimento PT e de
aliança com outras legendas. "É inverossímel a versão de que coube apenas a
Delúbio definir os critérios de distribuição dos valores e que o presidente do
partido (Genoíno) assinou os contratos de empréstimos apenas porque era
estatutariamente o responsável", afirmou. "A resposta está no artigo 29 do
Código Penal: 'Quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas
nesse culminadas'," reiterou Mendes.
A ministra Cármen Lúcia criticou a defesa de Delúbio Soares, que encampou a
tese de caixa dois para defender o ex-tesoureiro. "Acho estranho e muito, muito
grave que alguém diga com naturalidade que houve caixa dois. Caixa dois é
crime", afirmou. E se mostrou incomodada com o fato: "Me causa estranheza
alguém, perante qualquer juiz, principalmente diante desse tribunal, admitir que
cometeu um crime, e tudo bem".
Segundo a ministra, em relação a Dirceu, não há nenhum documento que comprove
sua participação. Entretanto, a partir das declarações do próprio Delúbio Soares
e dos relatos da presença do ex-ministro de Lula em reuniões com diretores do
Banco Rural e Marcos Valério, é possível reconhecer a responsabilidade dele na
articulação do esquema.
Validade das leis
Ao final da sessão, o ministro Gilmar
Mendes adiantou a discussão sobre se leis aprovadas com compra de votos devem ou
não ser anuladas. O ministro revisor, Ricardo Lewandowski, já havia trazido a
questão ao debate na ocasião de seu voto, assim como o decano, Celso de
Mello.
Gilmar Mendes disse, contudo, amparar sua conclusão sobre o assunto na
doutrina americana tradicional, que preconiza que a validade de uma lei não
depende dos motivos que a levaram a ser formulada e aprovada . Nesse, sentido, a
declaração de eficácia se impõe, afirmou o ministro.
"As razões que levaram o legislador, diz Lúcio Bittencourt, a elaborar
determinado diploma, inclusive com a existência de fraudes, suborno ou corrupção
constituem matéria completamente fora de controle do Judiciário. Se temos que
fazer o controle, vamos fazê-lo pela via do juízo de constitucionalidade ou
inconstitucionalidade", disse Gilmar Mendes.
Outros ministros também resolveram adiantar o debate. O revisor Ricardo
Lewandowski discordou de Gilmar Mendes. "Não é incomum, nesse vasto Brasil, que
leis de uso e ocupação do solo, que tenham sido alterada por câmaras de
vereadores mediante fraudes, sejam sistematicamente anuladas", disse
Lewandowski.
O relator do processo, Joaquim Barbosa, concordou com Mendes. "No meu voto,
eu fiz claramente essas distinções quando falei em corrupção própria e corrupção
imprópria. O fato de determinado grupo ter tido uma motivação ilícita, essa
ilicitude não se transmite, não se comunica para o produto legislativo, mesmo
que eventualmente decorra dessa motivação espúria".
Na mesma linha, a ministra Rosa Weber concordou com o argumento de que leis
aprovadas sob fraude não têm de ser anuladas. "Lembrei-me o caso de um juiz
convicto da absolvição do réu, mas que eventualmente receba ou aceite vantagem
indevida para uma sentença absolvitória. Não implica necessariamente que haja
delito", disse Rosa.
Rafael
Baliardo é repórter da revista Consultor Jurídico em
Brasília.
Rodrigo
Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
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