segunda-feira, 29 de outubro de 2018

POLÍTICA: Derrota petista abre nova disputa na esquerda

OGLOBO.COM.BR
Amanda Almeida e Catarina Alencastro

PDT e PSB apostam em desgate da sigla de Lula e Haddad para protagonizarem oposição a Bolsonaro

Candidato à Presidência pelo PT, Fernando Haddad reconheceu derrota e desejou sorte a Jair Bolsonaro (PSL) Foto: NELSON ALMEIDA / AFP

BRASÍLIA - Depois de 30 anos dePT no papel principal da esquerda, a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) abrirá espaço para um novo desenho desse campo político no Congresso. É a aposta de partidos como PDT e PSB , que querem deixar a órbita petista e se tornar protagonistas da esquerda e da oposição ao capitão da reserva. Essas legendas já começaram a articular a formação de um bloco. Em contraponto a esse movimento, o PT prega que, apesar da derrota nas urnas e da perda de força nos últimos anos, com o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de seu maior líder, Luiz Inácio Lula da Silva, saiu capitalizado com os votos de Fernando Haddad . Na reta final da campanha, Haddad ensaiou uma virada, e o os petistas respiravam aliviados de terminar a disputa ainda como força relevante na cena política.
Com o discurso de que o resultado das urnas encerra o ciclo de polarização entre PT e PSDB, líderes dessas siglas dizem que a oposição a Bolsonaro deve ser diferente da que os petistas comandaram contra o presidente Michel Temer (MDB). Defendem “menos palavras de ordem e mais propostas”. O projeto de deixar a posição de satélite do PT começou a ser traçado entre o primeiro e o segundo turno e foi capitaneado pelo PDT. Como pano de fundo, há o desejo da legenda de dar musculatura a uma nova candidatura de Ciro Gomes à Presidência, em 2022.O projeto de poder do pedetista ficou ainda mais evidente no último sábado, quando Ciro, que passou todo o segundo turno fora do Brasil, gravou um vídeo dizendo que não se posicionaria a favor de Haddad "por uma razão muito prática". Para não ter dúvida de que seu caminho de agora em diante é separado do PT, Ciro foi claro, ao depositar seu voto, ontem, dizendo que não quer fazer campanha com o PT "nunca mais".
Juntos, PDT e PSB somam 60 deputados federais eleitos e superam a bancada petista, que, por ora, é a maior da Câmara, com 56 parlamentares. Mesmo tendo eleito a maior bancada, é a menor conquistada pelo PT desde 1998, quando Fernando Henrique foi reeleito para seu segundo mandato. O PSB ganhou seis cadeiras na Câmara, e o PDT cresceu 45% em número de deputados. No Senado, unidos, PDT e PSB terão seis senadores em 2019, mesmo número dos petistas. Mas a ambição de líderes das duas legendas, que devem se reunir ainda esta semana para intensificar a articulação, é atrair outras siglas para o projeto e dar mais peso numérico a um bloco. No alvo, estão Rede, PPS, PHS e parlamentares que atuam de forma mais independente aos seus partidos.
Na conta dos que articulam a união, o bloco pode chegar a 42 senadores, o que formaria maioria na Casa. Um dos líderes do movimento é o senador eleito Cid Gomes (PDT-CE), irmão de Ciro.
- O PDT cresceu, e já havia deliberado que no futuro faria oposição a quem quer que fosse o novo presidente. E lançaremos imediatamente a candidatura de Ciro para 2022. Para além disso, defendo que a gente componha uma aliança, que se formalize em um bloco com partidos que tenham a mesma visão nossa: de fazer uma atuação de oposição diferenciada, não será oposição do quanto pior, melhor - disse Cid ao GLOBO.
'Apoio crítico'
O descolamento do PT começou depois do impeachment de Dilma e ganhou força no processo eleitoral. A postura dos petistas na pré-campanha e ao longo da corrida gerou sequelas. Enquanto o PSB declarou apoio ao Haddad, o PDT deu "apoio crítico". Nenhum dos dois partidos entrou de cabeça no projeto petista. Ambos se ressentem do que chamam de comportamento autocentrado do PT, ao insistir na tentativa de voltar ao poder sem considerar o grave momento que o país vive e a necessidade de fazer concessões.
O PDT de Ciro Gomes considera que a união das forças de esquerdas em torno do ex-governador cearense teria muito mais chances de vencer a onda de direita que tomou o país. No esforço de construir essa força política no Congresso, Cid não descarta conversas também com partidos como PSDB e DEM, que estavam em campo oposto nos últimos anos.
- Vamos conversar com o PSDB, com o DEM, com o PP, Solidariedade e Podemos - planeja.
Na Câmara, nos últimos dois anos, o impeachment obrigou o PT a abrir espaço para os aliados, que já tentam atuar com mais independência em relação ao partido.
- Não vamos ficar a reboque, assim como não ficamos nos últimos meses na Câmara. Já temos atuado em parceria com outras siglas. Foi graças ao apoio do PSB e PCdoB que conquistamos a liderança da Minoria - diz o deputado Weverton Rocha (PDT), que ocupa o posto e, eleito senador pelo Maranhão, estará ao lado de Cid no Senado em 2019.
Sem citar diretamente o PT, o líder do PSB na Câmara, Tadeu Alencar, defende uma mudança na linha de atuação da oposição no Congresso, que deve começar com o discurso de respeito ao resultados das urnas.
- Não vamos ser a turma que torce pelo pior. Tomara que, na Presidência, Bolsonaro tire o coturno e vista a responsabilidade de principal mandatário do país. O ideário programático que ele vendeu ao país conflita com tudo aquilo que a gente carrega de valores. Se ele for implementar, vamos fazer um enfrentamento democrático e altivo. Mas fugir dessa tensão no plenário que, muitas vezes, se resume a gritar palavras de ordem - diz.
Alencar pontua que "não dá para passar mais quatro anos apenas no debate de posições políticas".
- Temos de ser propositivos. Não dá apenas para ficar na contestação. Em alguns momentos, a gente também quer dizer "sim" - afirma o deputado.O senador Randolfe Rodrigues (Rede) diz que seu partido também está aberto às conversas sobre a união com esses partidos e reforça as críticas ao PT.
Embora tenha saído pequeno das urnas na corrida presidencial, com Marina Silva fazendo pouco mais de um milhão de votos, no Senado a sigla conseguiu eleger cinco senadores.
- O recado das urnas é o sepultamento desse ciclo. Para o próximo, devem haver novos protagonistas. O avanço da ultradireita teve entre outros motivos, inclusive, advertido por nós, nos últimos anos, a própria condução do PT, que deixou um terreno fértil. Banalizou o combate a corrupção, por exemplo. Na oposição a Bolsonaro, o PT cumprirá papel importante e estaremos juntos numa oposição mais ampla. Mas o caminho, agora, é de mais independência - comenta Rodrigues.
Em conversas sobre uma fusão com a Rede, o PPS também admite uma aliança com as siglas de esquerda.
- Não vamos fazer oposição junto com o PT. Isso é o certo. Essa oposição de petista, de Lula e seus aliados, não é a oposição que vamos fazer. Agora, se o PSB e o PDT pretendem fazer uma oposição democrática, podemos caminhar juntos - diz Freire.
Capital político
O PT vem observando a movimentação dos antigos aliados. Em uma reação, líderes do partido reforçaram, na reta final da campanha de Haddad, que, mesmo com o cenário mais provável de derrota, era necessário se esforçar para que não fosse numericamente esmagadora. A estratégia é usar o capital político das urnas para levantar o discurso nos plenários da Câmara e do Senado de ser a “oposição contra Bolsonaro” que “o povo escolheu”. Mas quanto mais apertada fosse uma vitória de Bolsonaro maior sairia o PT e o Haddad como liderança política de peso dentro da sigla e fora dela. Antes visto com desconfiança por alas petistas, Haddad chegou ao fim do processo sendo respeitado pela burocracia petista.
Um dirigente petista diz que o partido contestará nas tribunas do Congresso a "derrota" em 2018. Para ele, a legenda é uma das grandes vencedoras do processo eleitoral, por chegar ao segundo turno mesmo com sua maior referência presa em Curitiba. Antigo aliado de Lula, ele avalia que as legendas de esquerda vão ter de "obrigatoriamente" sentar para uma conversa e articular uma “frente democrática” contra a agenda de Bolsonaro.
No Congresso, contra o escanteamento, parlamentares petistas admitem conversas até com partidos como PSDB. Um dos líderes da legenda aposta que, embora possam concordar com parte das agendas econômicas de Bolsonaro, os tucanos devem se opor a eventuais iniciativas do capitão da reserva em pautas ligadas aos direitos humanos.
Antes mesmo do fim da campanha, os petistas já anteviam a necessidade de se reorganizar no Congresso ante a nova realidade, definindo uma linha de atuação e procurando partidos para conversar. Um dos coordenadores da campanha de Haddad aponta que onda direitista e pró-renovação que se traduziu nas urnas deixa claro que a esquerda terá uma vida dura a partir de 2019, tendo que se insurgir contra pautas mais conservadoras. Para ele, o PT vai ter que ter paciência e buscar reconstruir seu espaço, sinalizando para o centro para não se isolar. O partido terá de fazer uma oposição diferente, não raivosa, para não sair pequeno do processo, avalia.

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