No seu discurso de posse como presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), o ministro Joaquim Barbosa disse, nesta quinta-feira
(22), que o conceito de Justiça é indissociável do de igualdade de direitos. Ele
defendeu a necessidade de os juízes se inserirem efetivamente na sociedade em
que vivem, sem dela permanecer divorciados, embora mantendo sua liberdade para
julgar.
“A justiça, por si só e só para si, não existe”, observou. “Só existe na
forma e na medida em que os homens a querem e a concebem. A justiça é humana, é
histórica. Não há justiça sem leis nem sem cultura. A Justiça é elemento ínsito
ao convício social. Daí por que a noção de justiça é indissociável da noção de
igualdade. Vale dizer: a igualdade material de direitos, sejam eles direitos
juridicamente estabelecidos ou moralmente exigidos”.
Assim, segundo o ministro, o cidadão deve ter “o direito mais sagrado dentre
os seus direitos, qual seja o de ser tratado de forma igual, receber a mesma
consideração, a mesma que é conferida ao cidadão ‘A’, ‘C’ ou ‘B’”.
Déficit
O ministro admitiu que, “ao falar sobre o direito de igualdade, é preciso ter
a honestidade intelectual para reconhecer que há um grande déficit de justiça
entre nós”. De acordo com ele, “nem todos os brasileiros são trados com igual
consideração, quando buscam o serviço público da Justiça”.
“Ao invés de se
conferir ao que busca a restauração dos seus direitos, o mesmo tratamento e
consideração que é dada a poucos, o que se vê, aqui e acolá – nem sempre, mas é
claro, às vezes sim –, é um tratamento privilegiado, a preferência desprovida de
qualquer fundamentação racional”.
“Gastam-se bilhões de reais anualmente para que tenhamos um bom funcionamento
da máquina judiciária”, lembrou. “Porém, é importe que se diga: o Judiciário
a que aspiramos ter é um Judiciário sem firulas, sem floreios, sem rapapés. O
que buscamos é um Judiciário célere, efetivo e justo”.
“De nada valem as
edificações suntuosas, sofisticados sistemas de comunicação e informação se,
naquilo que é essencial, a justiça falha. Falha porque é prestada tardiamente e,
não raro, porque presta um serviço que não é imediatamente fruível por aquele
que a buscou”.
Ele defendeu um urgente aprimoramento da prestação jurisdicional,
especialmente no sentido de tornar efetivo o princípio constitucional da
razoável duração do processo. “Se esse princípio não for observado em todos os
quadrantes do Judiciário, em breve suscitará um espantalho capaz de afugentar os
investimentos produtivos de que tanto necessita a economia nacional”,
advertiu.
Ao alinhavar o Judiciário que o país deve ter, em sua concepção, ele retratou
que deve ser evitado: “processos que se acumulam nos escaninhos da sala dos
magistrados; pretensões de milhões que se arrastam por dezenas de anos; a
miríade de recursos de que se valem aqueles que não querem ver o deslinde da
causa” e, por fim, “os quatro graus de jurisdição que nosso ordenamento jurídico
permite”.
“Justiça que falha, que não tem compromisso com sua eficácia, é
justiça que impacta direta e negativamente sobre a vida do cidadão”,
arrematou.
O juiz
“O juiz deve ter presente o caráter necessariamente laico de sua missão
constitucional e velar para que suas convicções e crenças mais íntimas não
contaminem sua atividade, das mais relevantes para o convício social e fator
importante para funcionamento de uma economia moderna, uma sociedade dinâmica,
inclusiva e aberta para qualquer mudança que traga melhorias para a vida das
pessoas”, sustentou o ministro.
Segundo ele, “pertence ao passado a figura do juiz que se mantém distante,
indiferente aos valores fundamentais e aos anseios da sociedade na qual está
inserido”. Assim, embora deva manter sua independência e liberdade para julgar,
sem aderir cegamente a qualquer clamor da comunidade a que serve, por outro
lado, deve sim, no exercício de sua função constitucional, “sopesar e ter na
devida conta os valores mais caros da sociedade na qual ele opera”.
Em outras palavras, conforme o ministro, “o juiz é produto do seu meio e do
seu tempo. Nada mais ultrapassado e indesejado do que aquele modelo de juiz
isolado, fechado, como se estivesse encerrado em uma torre de marfim”.
Por outro lado, o novo presidente do STF defendeu a necessidade de se
reforçar a independência do juiz, de “afastá-lo, desde o ingresso na carreira,
das múltiplas e nocivas influências que podem, paulatinamente, minar-lhe a
independência”. De acordo com o ministro Joaquim Barbosa, “essas más influências
podem manifestar-se tanto a partir da própria hierarquia interna a que o jovem
juiz se vê submetido, quanto dos laços políticos de que ele pode, às vezes,
tornar-se tributário, na natural e humana busca por ascensão funcional e
profissional” .
“Nada justifica, a meu sentir, a pouco edificante busca de apoio para uma
singela promoção do juiz do 1º ao 2º grau de jurisdição”, observou. “O juiz, bem
como os membros de outras carreiras importantes do Estado, devem saber, de
antemão, quais são suas reais perspectivas de progressão, e não buscá-las por
meio da aproximação ao poder político dominante no momento”.
Por fim, o ministro Joaquim Barbosa valorou positivamente o fato de o
Judiciário estar passando “por grandes transformações e uma inserção sem
precedentes na vida institucional brasileira”. Ele lembrou, neste contexto, que
na Suprema Corte “são discutidas cada vez mais questões de interesse da vida do
cidadão comum brasileiro”. E isso, no seu entender, “é muito bom, muito
positivo”.