Do ESTADAO.COM.BR
Denise Chrispim, correspondente em Washington
Há duas semanas, HRW publicou relatório chamando situação dos direitos humanos no país de 'precária'
Eraldo Peres/AP
Chávez e Dilma durante reunião que
incorporou Caracas ao Mercosul
WASHINGTON - Em carta à presidente Dilma Rousseff, entregue nesta
sexta-feira, 3, a organização internacional Human Rights Watch afirmou que o
ingresso pleno da Venezuela ao Mercosul gera a "oportunidade" e a
"responsabilidade para o Brasil e os demais sócios do bloco de tratar dos
"graves problemas de direitos humanos" de Caracas.
O HRW destaca a existência, na Venezuela, de controle total do Executivo
sobre o Judiciário e de uso abusivo do poder do Estado para constranger
opositores, cidadãos que contrariem o governo, defensores dos direitos humanos e
a liberdade de expressão. O texto, indiretamente, aponta a contradição da
decisão tomada pelo Mercosul, à revelia do Paraguai, com dois dos compromissos
assumidos pelo bloco em sua origem. Mas a HRW preferiu adotar explicitamente um
tom mais ameno e chamar Brasília à responsabilidade de influenciar mudanças no
regime de Hugo Chávez.
"Se os países-membros do Mercosul ignorarem o compromisso de proteger e
promover os direitos básicos e as instituições democráticas, transmitirão a
mensagem infeliz de que os compromissos internacionais do Protocolo de Assunção
são promessas vãs", conclui a carta, enviada com cópia ao chanceler Antônio
Patriota.
O texto reproduz os artigos do Protocolo de Assunção sobre o "compromisso com
a promoção e proteção dos direitos humanos do Mercosul", assinado em 2005.
Segundo o artigo 1º, "a plena vigência das instituições democráticas e o
respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais são condições
essenciais para a vigência e evolução do processo de integração entre as
Partes". O 2º artigo traz o compromisso dos parceiros do bloco de cooperar
mutuamente para a promoção e proteção dos direitos humanos e das liberdades
fundamentais.
Violações
A HRW destaca, em seguida, como o governo de Chávez tem ferido o artigo 1º do
protocolo, por meio da concentração do poder no Executivo, "minando a
independência das demais instituições democráticas e acabando com os controles
ao uso abusivo e arbitrário do poder do Estado". "O impacto dessas ações nas
garantias de direitos humanos na Venezuela tem sido dramático", afirma a carta,
referindo-se a fatos mencionados no relatório "Apertando o Cerco: Concentração e
Abuso de Poder na Venezuela de Chávez", divulgado pela organização no último dia
17.
Entre esses fatos está o controle efetivo de Chávez e de seus aliados na
Assembleia Nacional sobre o Supremo Tribunal, onde artificialmente os chavistas
conquistaram a maioria das cadeiras. Segundo o HRW, o Supremo "deixou de
funcionar como um órgão capaz de controlar o exercício abusivo de poder do
Estado e de garantir os direitos fundamentais". Além disso, os próprios
ministros dessa corte abandonaram o princípio da separação dos poderes do Estado
e se comprometeram com a agenda de Chávez.
Essa atitude de dependência do Judiciário, segundo a HRW, permitiu casos como
o da juíza María Lourdes Afiuni, presa em 2009 depois de ter concedido liberdade
condicional a um empresário crítico ao governo e mantido em prisão, sem
julgamento, havia três anos. Afiuni foi qualificada publicamente como "bandida"
por Chávez e presa por mais de um ano em um cárcere feminino para autoras de
crimes violentos. Hoje, está em prisão domiciliar.
O modelo criado por Chávez igualmente permitiu, de acordo com a HRW, a adoção
de instrumentos legais para limitar e controlar a liberdade de expressão no
país. Meios de comunicação têm sido suspensos e desativados no país, e a censura
prévia passou a vigiar reportagens críticas a medidas do governo de interesse
público. Organizações e defensores dos direitos humanos passaram a ser
"marginalizados", segundo a carta enviada à presidente brasileira, sob a
alegação de receber apoio dos Estados Unidos para prejudicar a democracia
venezuelana.
"O acúmulo de poder do Executivo e a falta de proteção aos direitos humanos
permitiram ao governo Chávez intimidar, censurar e condenar os venezuelanos que
criticam o presidente ou se opõem a sua agenda política", diz a carta. "O
presidente Chávez e seus partidários têm utilizado esses poderes em diversos
casos que envolvem o Poder Judiciário, meios de comunicação e defensores dos
direitos humanos", completa.
Expulsão
A carta foi assinada pelo diretor para as Américas da HRW, José Miguel
Vivanco. Em 2008, Vivanco foi expulso da Venezuela logo depois de divulgar, em
Caracas, um relatório sobre as condições dos direitos humanos no país. No texto
enviado a Dilma, não houve nenhuma consideração ao fato de a própria presidente
ter sido vítima do abuso de poder do Estado, durante o período de ditadura
militar. Tampouco foi mencionado o fato de a HRW ter sido uma das instituições
internacionais de direitos humanos a apontar os crimes cometidos nessa área
pelos governos militares do Brasil e a cobrar do País o respeito às liberdades
fundamentais.
Veja também:
NA ÍNTEGRA: A carta enviada à presidente Dilma
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