De O GLOBO.COM.BR
Marcio Beck
No mesmo período, o presidente da mineradora,
Murilo Ferreira, acumulou desafios. Projeto siderúrgico ainda é dúvida
RIO — De perfil “discreto e conciliador”, Murilo Ferreira começou seu
primeiro ano no comando da Vale enfrentando a desconfiança do mercado de que
seria subordinado a decisões do Palácio do Planalto, apontado como principal
responsável por sua promoção a presidente da mineradora. Foi só o começo das
dificuldades, que depois se tornaram bem mais concretas: proibição dos
supernavios graneleiros atracarem na China, prejuízos com as chuvas em Minas
Gerais, críticas de movimentos ambientalistas, problemas trabalhistas no Canadá
e a cobrança de cerca de R$ 30,6 bilhões em tributos pelo governo.
Os próximos desafios de Ferreira, segundo especialistas ouvidos por O GLOBO,
serão desatar o nó da relação com os chineses, reforçar a diversificação de
produtos, principalmente níquel, cobre e fertilizantes, sem perder o foco na
produção de minérios, e prosseguir com a internacionalização da empresa,
especialmente na África. Ou seja, seguir crescendo.
— Não dá para dizer que uma empresa do porte da Vale mude de planos de acordo
com o presidente. Ele (Ferreira) está tocando os projetos da maneira como foram
definidos — avalia Pedro Galdi, analista da SLW Corretora, lembrando que a
escolha de Ferreira foi uma surpresa, já que o mercado previa a nomeação de Tito
Martins, atual diretor de Finanças.
Ex-presidente da Vale e atual consultor da RBS, Francisco Schettino também
não vê diferença significativa na estratégia de negócios da empresa, mas fala em
mudança de atitude:
— O outro presidente (Roger Agnelli) estava mais preocupado com o lucro no
próximo trimestre. O ritmo dos profissionais de finanças (Agnelli veio do
Bradesco, acionista da Vale) é outro. Murilo tem uma formação dentro da empresa,
pensa mais a longo prazo.
Empresa muda estratégia logística na Ásia
De solução para a competitividade com as rivais BHP e Rio Tinto no comércio
com a Ásia, os supernavios graneleiros Valemax, com capacidade para 400 mil
toneladas, passaram a dor de cabeça. O primeiro navio deste tipo, o Vale
Beijing, apresentou rachaduras antes de zarpar na primeira viagem, e teve que
ser tirado de circulação para conserto. No mesmo mês, a China proibiu a
atracação dos Valemax em seus portos.
Para contornar a medida do governo chinês, a empresa está instalando sua
segunda estação flutuante de transferência de minério na Baía de Subic, nas
Filipinas, criou um centro de distribuição em Omã e está construindo outro na
Malásia. A Vale também decidiu vender os 19 supernavios encomendados em 2008 por
US$ 2,3 bilhões e passar a fretá-los.
— A situação da China não é dramática, já está sendo resolvida. Mas há uma
percepção do governo que não é bom que a Vale tenha uma presença tão ostensiva
em território chinês — explica Rafael Weber, da corretora Geração Futuro.
— As próprias siderúrgicas chinesas já estão pressionando o governo pela
liberação dos Valemax — lembra Pedro Galdi.
A redução da demanda chinesa por minério de ferro também não preocupa os
especialistas, mesmo com seu impacto sobre o preço da commodity, que está em
torno de US$ 140, segundo dados do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram),
após ter registrado preços próximos de US$ 170 no ano passado.
— Mesmo se a China não crescer, a demanda dela já é enorme. O PIB chinês
cresceu 8,1% no primeiro trimestre, acima das perspectivas — diz o presidente do
Ibram, José Fernando Coura.
Apesar da continuidade de projetos iniciados por Agnelli, Ferreira também tem
buscado algumas mudanças que deixem a empresa mais com a sua marca. Seis meses
após assumir a companhia, ele mudou seis diretores. José Carlos Martins assumiu
a diretoria-executiva de Minério de Ferro e Estratégia, Eduardo Bartolomeo a de
Fertilizantes e Carvão; Humberto Freitas foi para Logística e Pesquisa Mineral,
Peter Popping ficou com a diretoria executiva de Metais Básicos e TI, Galib
Chaim com a área de Implantação de Projetos de Capital e Vania Somavilla, com a
área de Recursos Humanos, Saúde & Segurança, Sustentabilidade e Energia.
Uma expectativa do mercado é sobre o que a Vale fará em relação à Companhia
Siderúrgica do Atlântico (CSA). Sócia da Vale no projeto, a ThyssenKrupp
confirmou na terça-feira que vai oferecer sua participação à mineradora, que
detém 26,87% do empreendimento. Reivindicação antiga do governo federal, a
participação da Vale no setor siderúrgico deve continuar dependendo de parceiros
estratégicos, segundo os analistas.
— Desde que presidi a Vale, estabeleceu-se a “doutrina” de que a empresa
poderia investir na produção de aço, de preferência como minoritária, desde que
isso garantisse um mercado cativo para seu minério. Continuo a crer que a
estratégia é válida para qualquer produtor do minério — afirma Jório Dauster,
ex-presidente da Vale e atualmente consultor da Dauster Consultoria.
A diversificação no portfólio de produtos, para os especialistas, está
atrelada à diversificação geográfica. A atuação deve ser focada em Canadá e
África, principais alvos do plano de investimentos da empresa, somando 20,8% dos
volumes previstos a serem desembolsados este ano.
— A diversificação reduz os riscos da dependência excessiva no minério de
ferro — diz Dauster.
Na África, à espera de uma decisão política
No continente africano, a principal operação da Vale é a mina de carvão de
Moatize, em Moçambique, cuja duplicação está prevista para o segundo semestre de
2014, ao custo de US$ 500 milhões. Agregada a esse projeto está a infraestrutura
para a conexão de Moatize com o terminal marítimo de Nacala-à-Velha, orçada em
US$ 691 milhões. A mineradora aguardará a eleição do Congresso da Guiné para
prosseguir com a operação de minério de ferro na mina de Simandou, projeto de
US$ 380 milhões.
— A África tem muito potencial inexplorado. A Vale faz bem em avançar neste
mercado, antes que o continente comece a se voltar para fazer negócios
diretamente com os países asiáticos — analisa Coura, do Ibram.
No Canadá, palco de uma greve de quase um ano, a empresa voltou a enfrentar
problemas trabalhistas, chegando a paralisar temporariamente a produção em
janeiro, devido à morte de dois mineiros em um acidente, na mina de níquel de
Stobie, em Sudbury, Ontario. Nos planos para o país, está o início da operação
de Long Harbour no segundo semestre de 2013, de 50 mil toneladas por ano de
níquel refinado, cobre e cobalto, com investimento de US$ 1,2 bilhão este ano,
de um total de US$ 3,6 bilhões.
No campo financeiro, a principal sombra que paira sobre a empresa é a ação
exigindo que a Vale pague imposto de renda de pessoa jurídica e Contribuição
Social sobre Lucro Líquido (CSLL) relativo a operações no exterior entre 1996 e
2002. Ferreira demonstrou confiança, em entrevista em março, de uma resolução
positiva para o processo no Supremo Tribunal Federal (STF), onde a mineradora
obteve, na semana passada, uma liminar suspendendo a cobrança até o julgamento
definitivo.
— O problema é que só R$ 4 bilhões destes R$ 30 bilhões cobrados estão
provisionados — alerta Pedro Galdi..
— É um passivo muito grande sem cobertura — completa Francisco Schettino, da
RBS.
O advogado da empresa, Alberto Luiz Xavier não dá detalhes sobre o caso.
Procurado, Murilo Ferreira não deu entrevista.
Veja também
- Petrobras perde um BB de valor de mercado e o posto de maior empresa latina
- Vale obtém no STF liminar que suspende cobrança de R$ 24 bi por não pagamento de impostos
- Proposta de reserva ambiental limita projeto da Vale
- Decisão do STJ impede Vale de tomar crédito
- Vale quer ampliar investimentos na África, diz Ferreira
Comentários:
Postar um comentário