Por Rolf Kuntz - O Estado de S.Paulo
Quatro países sul-americanos cresceram bem mais que o Brasil, no ano passado,
com taxas de inflação muito menores. Resultados melhores que os brasileiros
foram alcançados também por economias emergentes da Europa. No Brasil,
empresários desconhecem ou menosprezam esses dados e se mostram dispostos, mais
uma vez, a embarcar na aventura de "um pouco mais de inflação" para conseguir um
pouco mais de crescimento - como se prosperidade e estabilidade fossem objetivos
incompatíveis. Segundo um representante da indústria, o governo tem de bancar o
risco inflacionário gerado pela alta do dólar para garantir mais atividade e
preservar a produção nacional. Opiniões desse tipo têm aparecido com frequência
e são um complemento previsível dos apelos por mais protecionismo e mais
intervenções paternalistas (ou maternalistas) do governo. O filme é conhecido: a
história inclui produtos vagabundos e caros para consumidores desprotegidos,
inflação alta, desemprego estrutural e crises periódicas de balanço de
pagamentos. A segurança criada pelas barreiras é tão enganadora quanto
injusta.
Em 2011, a inflação média do Brasil chegou a 6,6%, enquanto o Produto Interno
Bruto (PIB) cresceu apenas 2,7%. Estes são os números de alguns
latino-americanos administrados com maturidade: Colômbia, 3,4% de inflação e
5,9% de crescimento; Peru, 3,4% e 6,9%; Chile, 3,3% e 5,9%; Equador, 4,5% e
7,8%. Alguns europeus conseguiram, apesar da crise regional, combinar expansão e
estabilidade: Polônia, 4,3% de inflação e 4,3% de aumento do PIB; Lituânia, 4,1%
e 5,9%; Turquia, 6,5% e 8,5%.
A conversa sobre inflação intensificou-se nos últimos dias, quando o dólar
passou de R$ 1,90 e rapidamente se aproximou de R$ 2,00. Alguns economistas logo
chamaram a atenção para o possível efeito inflacionário do câmbio desvalorizado.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, mostrou pouca ou nenhuma preocupação com
esse risco e preferiu dar ênfase ao efeito benéfico da variação cambial. Dólar
mais caro significa maior poder de competição para o produtor brasileiro. A
discussão é um tanto vaga, neste momento, porque ninguém pode dizer com
segurança como será o câmbio dentro de alguns meses, se a crise europeia
amainar, os investidores se acalmarem e a procura de ativos em dólares ficar
menos intensa. Falta saber, além disso, como estará a relação entre os juros
brasileiros e os ganhos proporcionados por outras aplicações. Vários analistas
mantêm a aposta numa acomodação do câmbio em cerca de R$ 1,85 por dólar.
Enquanto os especialistas tentam projetar a cotação da moeda americana,
empresários festejam a depreciação do real, em coro com o ministro Mantega e sua
chefe. Segundo o ministro, ele, "a torcida do Flamengo e a do Fluminense" estão
satisfeitos com o câmbio atual. Além disso, a presidente Dilma Rousseff
mostra-se preocupada com a competitividade da indústria, não com o dólar mais
caro, acrescentou.
Mas a pressão inflacionária é apenas um dos possíveis efeitos indesejáveis da
depreciação cambial. Pode-se atenuar esse efeito com a moderação do gasto
público e uma gestão prudente do crédito. Surto inflacionário por causa do
câmbio não é fatalidade, exceto em ambiente de tolerância. É o risco brasileiro.
A depreciação do real pode ser acompanhada também de efeitos perigosos na
gestão da economia. Durante décadas, no Brasil, o câmbio desvalorizado serviu
para disfarçar uma porção de ineficiências tanto das empresas quanto do ambiente
econômico. As exportações avançavam muito devagar e o Brasil era insignificante
no mercado internacional. Mas o câmbio depreciado funcionava como um energético,
a indústria era protegida por enormes barreiras e os consumidores eram
explorados sem perceber claramente a patifaria. O controle represava os preços
internos e a indexação enganava assalariados e pequenos poupadores. Pouca gente
contestava a aliança entre o governo voluntarista e balofo e os favoritos da
corte.
Alguns itens desse roteiro talvez estejam descartados, mas o voluntarismo, o
protecionismo, a ineficiência do governo, o intervencionismo e a engorda do
setor público são cada vez mais sensíveis. Sem compromisso com a reforma do
péssimo sistema tributário, o governo se limita a remendos. Sua incompetência
gerencial se reflete na incapacidade de conduzir programas e projetos para o
aumento da produtividade geral do País. De vez em quando, empresários cobram
reformas relevantes. Mas brigam a maior parte do tempo pela redução dos juros e
pela correção do câmbio, como se isso resolvesse os problemas de
competitividade. Obviamente não resolve. Quanto ao voluntarismo, será bem-vindo
enquanto resultar em domesticação do Banco Central, reserva de mercado e formas
variadas de protecionismo. O passado, em alguns países, é tão difícil de
enterrar quanto um vampiro.
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