Por DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo
Chega a ser inútil a discussão sobre tentativas de "blindagem" ou a
conveniência de se chamar o governador Sérgio Cabral Filho à CPI que tratará da
triangulação entre crime organizado, políticos e parcerias comerciais
público-privadas.
Diante do que se vê desde a última sexta-feira sobre os alegres passatempos
do governador na companhia de secretários estaduais, do empreiteiro dono dos
maiores contratos de obras no Rio de Janeiro (sem contar os negócios federais e
em outros Estados) e respectivas senhoras mundo afora, é óbvio que Sérgio Cabral
deve explicações em qualquer foro.
Assim como é evidente a impossibilidade de o PMDB, o governo federal, o PT, a
Assembleia Legislativa, a Câmara Municipal ou o santo padroeiro do governador
lhe assegurar qualquer tipo de proteção.
O Ministério Público não poderá - ou estará negando suas funções de defensor
do interesse da sociedade - ignorar o assunto.
E o governador, seja na CPI ou fora dela, está obrigado a fornecer ao público
mais do que as explicações frágeis já apresentadas. Até para se precaver do que
certamente ainda vem por aí necessita se municiar de provas de que não foi nem é
desonesto.
E o que vem por aí? Não se sabe, mas é de se supor que venha mais. Questão de
lógica aliada a informações já em circulação de bastidor: quem passou o farto
material fotográfico ao deputado, ex-governador, antigo aliado e hoje adversário
de Cabral, Anthony Garotinho, que deflagrou o escândalo em seu blog, deu muito
mais.
Nem o informante nem Garotinho escreveriam o capítulo inicial de uma
narrativa dessa sem ter pronto o esboço do epílogo. Não entrariam na guerra para
deixar o inimigo apenas levemente ferido e pronto para a desforra na primeira
oportunidade mais adiante.
Só para início de conversa o governador deve, no mínimo, dirimir uma dúvida
criada por sua assessoria.
Cabral, os secretários da Casa Civil, dos Transportes, de Governo e da Saúde
estavam em férias quando fotografados e filmados na esbórnia parisiense de
setembro de 2009?
A assessoria disse que não. Tratava-se de uma viagem oficial a respeito da
qual foi apresentada longa agenda para divulgar o Guia Michelin Rio de Janeiro,
fazer reuniões de trabalho para tratar da Olimpíada de 2016 e receber uma
comenda.
Portanto, estavam no exercício da representação governamental e não poderiam
se dar ao desfrute de farrear. Não apenas pela exigência de modos adequados ao
cargo, mas também porque viajaram a expensas do dinheiro público.
Mas, logo em seguida a assessoria informou que os folguedos pertenciam à vida
privada do governador. Muito bem: então o que faziam lá os secretários de
Estado? E o empreiteiro camarada? Quem pagou aquela conta? Foi com dinheiro vivo
ou há a fatura do cartão de crédito para comprovar?
A contradição exposta pela assessoria autoriza a conclusão de que a ação
entre amigos seja vista com naturalidade como critério de governo. Algo
explícito na fotografia do chefe da Casa Civil abraçado ao dono da construtora
Delta, cujos contratos viria depois a auditar por determinação do
governador.
Isso falando apenas daquela ocasião em que a turma aparecia fantasiada com
guardanapos amarrados à cabeça, numa cena que expõe ao ridículo os personagens e
a sociedade que lhes deu com seus votos a oportunidade de ocuparem as posições
que ocupam.
As imagens sugerem promiscuidade entre o público e o privado e remetem à
necessidade de se buscar detalhes sobre as constantes e inúmeras viagens ao
exterior feitas por Sérgio Cabral. Tantas que o vice-governador, Luiz Fernando
Pezão, é visto como o governador de fato do Rio.
Começando por contabilizar quantos dias Cabral esteve fora do País, quais
viagens eram de trabalho e quais relativas a férias de direito, a apresentação
dessas agendas e confrontação de origem do pagamento de despesas.
Por essas e outras, o ônus da prova é do governador.
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