Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Foi bonita a festa da instalação da Comissão da Verdade e sobre isso, noves
fora quem deve e teme, há consenso. Cerimônia sóbria e cheia de simbolismos, a
começar pela presença de ex-presidentes da República que tiveram significados
específicos e papéis diferentes na História do Brasil.
Até quem fez mais feio ao seu tempo estava lá como que a representar a
capacidade de um País de enfrentar processo inédito de impeachment presidencial
sem abalar os alicerces da ainda verde democracia recém-conquistada.
Não faltou o reconhecimento póstumo a Tancredo Neves e Itamar Franco, ficando
de fora qualquer citação aos comandantes em chefe do período autoritário.
Espera-se que os militares não vejam nisso uma provocação: o ato celebrava a
democracia que não cuida de homenagens a ditadores.
Sim, senhores, a palavra é essa. O regime era de exceção, de supressão de
liberdades e garantias constitucionais, entre elas o da escolha pelo voto.
Portanto, tiranos seus governantes.
Dizer as coisas com clareza denota a existência de sentimentos revanchistas?
Depende da interpretação referida no grau de ameaça percebido pelo espectador
engajado no processo.
Há reclamação por parte de militares que temem ser expostos à execração
pública justamente no momento em que o sentimento predominante na nova geração
das Forças Armadas é o de que o poder político pertence à sociedade civil.
Há argumentação por parte das vítimas do Estado de que não faz sentido
considerar o critério dos "dois lados" no trabalho da Comissão da Verdade.
Ora, não tendo lei caráter persecutório, tratando-se apenas e tão somente do
levantamento de informações, estamos diante de uma discussão vã por óbvia a
necessidade de se resgatar a história completa. Sob todos os prismas.
Não havendo punições, não há problema algum nas revelações. Pertençam elas a
que "lado" pertencerem, desde que se dê aos brasileiros já nascidos na
democracia a noção do valor da liberdade e do perigo contido no despertar de
soluções autoritárias.
Por qualquer motivo, referentes a qualquer setor.
Conceito de ética. O governo do Rio de Janeiro já mostrou o
quanto é hesitante no que tange a normas de condutas para seus integrantes.
Primeiro o governador Sérgio Cabral Filho precisou ser flagrado em óbvio desvio
- viagens de helicóptero e festas a expensas de empresários fornecedores ou
dependentes de decisões de governo - para criar um conjunto de regras de
comportamento, revisto em decorrência do enredo guardanapos na cabeça no
carnaval parisiense recentemente exibido.
O alcance da comissão de ética deixa de fora o governador e o vice. Até aí,
soa meio esquisito - a inclusão teria um efeito simbólico exemplar -, mas segue
o critério da comissão federal que também não tem poder sobre a Presidência da
República.
Para dizer o menos, é uma contradição em relação aos termos de um código de conduta pública. Para dizer o certo, é uma agressão ao artigo 37 de Constituição: "A administração pública, direta ou indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência".
Espeto de pau. A quase totalidade dos Estados não usou um dia sequer dos seis meses de prazo entre a sanção e a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação para montar estruturas de atendimento ao público dentro dos novos parâmetros exigidos.
Não é mero atraso nem acaso: é descaso mesmo. E fica parecendo falta de confiança na ineficácia prática da lei. Ou seja, os próprios agentes públicos apostam que ela não "pega".
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