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POR GABRIEL CARIELLO
Organização critica ainda aumento do número de pessoas mortas por policiais no país
Policiais Militares reforçam a segurança na Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus (06/01/2016) - Divulgação/Policia Militar
RIO — No Relatório Mundial de Direitos Humanos, apresentado nesta quinta-feira, a organização de defesa de direitos humanos Human Rights Watch (HWR) aponta mais uma vez como problemas crônicos do país a superlotação de presídios e casos de tortura e maus-tratos contra presos. A ONG destaca, como fator chave da superlotação, a promulgação da lei de drogas em 2006. Segundo a entidade, a legislação “deveria ter reduzido a população carcerária”, mas “sua linguagem vaga possibilita que usuários sejam processados como traficantes”.
Em 2014, 28% dos homens presos e 64% das mulheres haviam cometido crimes associados às drogas. A organização lembra que 40% dos presos brasileiros são provisórios.
No relatório, a ONG critica a decisão da Justiça de São Paulo que anulou o julgamento de 74 policiais condenados pelo massacre na Casa de Detenção, o Carandiru. O texto não cita, no entanto, as rebeliões em penitenciárias no Amazonas e em Roraima, que ocorreram no início deste ano e provocaram a morte de 99 detentos.
Por outro lado, a HWR diz que o Brasil passou a seguir correntes do direito internacional ao adotar um programa que estabelece que detidos sejam ouvidos pelos juízes logo após suas prisões. A entidade pede que sejam obrigatórias as audiências de custódia, que são temas de um projeto de lei em tramitação no Congresso.
— Somente em dois países da América Latina, as audiências de custódia não são um direito estabelecido: Cuba e Brasil. Esse é um problema do Brasil, mas há uma iniciativa que vai avançando. Essas audiências não vão resolver o problema (superlotação no sistema penitenciário), mas é uma ajuda significativa — afirmou Daniel Wilkinson, diretor-adjunto da HRW para as Américas.
SEPARAÇÃO DE PRESOS SEGUNDO FACÇÃO
A entidade também comentou a separação de presos segundo as facções que pertencem. Na terça-feira, o GLOBO mostrou que ao menos 13 estados e o Distrito Federal utilizam a prática para evitar confrontos nos presídios. No Rio, até o local de moradia de um preso pode ser utilizado como critério para sua alocação em penitenciárias que são destinadas exclusivamente a integrantes de uma facção. Caso o preso more em uma área dominada por determinada organização criminosa, ele pode ser abrigado por um presídio destinado a esta organização.
A organização aponta que a separação por facção pode evitar confrontos, mas expõe presos à influência de grupos criminosos.
— Eles entram como presos e saem como membros de um facção. (O sistema penitenciário brasileiro) Não é um sistema de correção, é de criação de delinquentes — disse Wilkinson.
— A gente tem reforçado a necessidade de garantir a segurança com espaços neutros, que permitam que o preso possa cumprir sua sentença sem medo de represálias — pediu Maria Laura Canineu, diretora da HRW no Brasil.
EXECUÇÕES FEITAS POR POLICIAIS
Outro problema crônico do Brasil ressaltado no relatório são as chamadas execuções extrajudiciais. Segundo a entidade, 3.345 pessoas foram mortas em 2015 por policiais no Brasil, incluindo agentes fora de serviço. Parte delas, diz a HRW, são casos de execuções extrajudiciais, ou seja, sumárias e arbitrárias. Em julho do ano passado, a organização responsabilizou o Ministério Público pelas execuções promovidas por policiais.
Segundo a organização, o número de mortos por policiais no país cresceu 52% nos últimos dois anos. O Rio tem destaque negativo — é o estado com maior taxa de homicídios, cujo aumento foi de 23% entre janeiro e setembro de 2016. São Paulo registrou queda de 19% no mesmo período.
“Embora algumas das mortes causadas pela polícia resultem do uso legítimo da força, outras são execuções extrajudiciais, como documentado pela Human Rights Watch e outros grupos, além de reconhecido por agentes do sistema de justiça criminal brasileiro”, diz trecho do relatório.
MAIORIDADE PENAL
A Human Rigths Watch diz ainda que o Brasil pode violar leis internacionais caso aprove a proposta de emenda constitucional que reduz a maioridade penal para 16 anos. A entidade também lembra que uma proposta que aumenta de 3 para 10 anos o tempo máximo de internação de crianças e adolescentes infratores tramita na Câmara dos Deputados. O resultado, segundo a organização, poderia provocar superlotação no sistema socioeducativo. A entidade denuncia ainda que centros que atendem menores infratores se transformaram em “locais de punição e isolamento”, especialmente no Ceará.
O relatório da Human Rights Watch diz que a lei de combate ao terrorismo, sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff em março de 2016, tem “linguagem vaga e genérica” e “coloca em risco alguns direitos humanos básicos, como a liberdade de associação”.
“A lei inclui amplas definições de ‘terrorismo’ e ‘atos de preparação’ de um ataque terrorista, que podem ser usadas contra grupos que promovem protestos pacíficos”, diz o texto.
PRIVACIDADE DIGITAL
A entidade comemora a sanção do Marco Civil da Internet, em 2016, mas diz que o Brasil pode sofrer “retrocessos em relação ao direito à privacidade. São citados no relatório casos de decisões judiciais que bloquearam temporariamente o WhatsApp e a prisão de um executivo do Facebook no ano passado.
Também são relatadas as ações judiciais movidas por juízes e promotores do Paraná contra jornalistas da Gazeta do Povo e uma decisão de agosto de 2016 que autorizou a quebra de sigilo telefônico de jornalista que noticiou uma lista de brasileiros suspeitos de terem contas bancárias na Suíça. O texto lembra que cinco jornalistas foram mortos no país de janeiro a outubro de 2016.
A organização não-governamental alerta para risco de retrocesso em processos que são discutidos no Congresso. Uma delas diz respeito aos direitos das pessoas com deficiência; outra versa sobre a definição de “família” como sendo uma união entre um homem e uma mulher. Também são citados casos de condições abusivas de trabalho e violência contra ativistas rurais e líderes indígenas. A HRW diz, ainda, que a Lei de Anistia, de 1979, permanece impedindo a punição de 377 violadores de direitos humanos identificados pela Comissão Nacional da Verdade.
O desastre ambiental em Mariana, Minas Gerais, também aparece no relatório da Human Rights Watch. A entidade diz que a mineradora Samarco falhou ao não alertar os moradores sobre o rompimento da barragem de rejeitos de minério.
“Um alerta feito com antecedência poderia ter prevenido essas mortes”, diz.
O texto cita, ainda, que o número de refugiados que chegaram ao Brasil mais que dobrou desde 2011, chegando a 8.800 pessoas em abril de 2016. Segundo o relatório, cerca de um quarto são sírios. A HRW lembra que o governo Temer pretende receber, este ano, ao menos três mil sírios.
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