Danilo Fariello / Eliane Oliveira
Avaliação é de protagonistas da dívida externa brasileira de 1982
BRASÍLIA - Os principais atores da crise da dívida externa brasileira de 1982
avaliam que a Europa e os Estados Unidos não estão sabendo lidar com as crises
recentes. Críticos das escolhas feitas pelos governos dos países avançados, eles
também comungam da avaliação sobre a situação atual do Brasil: oposta ao que o
país viveu no chamado “setembro negro”. Carlos Langoni, que presidia o Banco
Central há 30 anos, vê com decepção “a forma desordenada e caótica” como o
Federal Reserve (Fed, o banco central americano) lidou com a crise de 2008,
assim como vê o Banco Central Europeu (BCE) inseguro para tratar a crise de sua
região.
Diante da atual crise da zona do euro, Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor
do Banco Central e responsável pelas reservas internacionais em 1982, avalia que
Grécia, Espanha e Portugal já não têm mais condições de administrar sua dívida,
embora se insista em deixá-los atuando normalmente no mercado financeiro:
— É preciso tirar o país do mercado, numa espécie de concordata para
renegociações. Isso poderia ser resolvido de uma forma melhor, se reconhecessem
o problema que o mundo inteiro sabe que existe.
Galvêas criticou o fato de, passados tantos anos e tantas crises, os bancos
ainda não respeitarem as regras básicas de Basileia (que determinam limites
rígidos para volume de crédito emitido em relação ao patrimônio da
instituição).
— Nos EUA, por exemplo, houve exageros em créditos para expansão da economia
após o 11 de setembro de 2001. Os EUA fizeram algo diferente da sabedoria
universal, que é o acordo de Basileia. Os EUA chegaram à alavancagem de 40 vezes
(maior do que o patrimônio das instituições). Na Europa, 70 vezes. Os bancos
europeus se alavancaram de tal maneira que em determinado momento quebraram. Aí
os governos fazem déficit fiscal para salvar os bancos, e o problema é
transferido. Em certo momento, nem resolve o problema dos bancos, nem resolve o
dos governos, que é o imbróglio atual da Europa — disse Galvêas.
Na visão de Langoni, o desenvolvimento do mercado financeiro ao longo dessas
décadas levou a um descontrole sobre quais são exatamente os devedores que
sofrem calote em caso de uma quebra.
— A multiplicidade de devedores que o mercado atual permite, por
securitização, prejudica renegociações de dívidas. Isso torna todo o processo de
controle da crise muito mais complicado, o que explica a grave crise sistêmica
com a quebra do Lehman Brothers em 2008 — disse.
O ex-ministro do Planejamento Delfim Netto fez críticas ao Fundo Monetário
Internacional (FMI) no tratamento de países em crise. Na sua visão, depois de
décadas, a postura do organismo não mudou.
— O problema é que eram e são burocratas economistas. Eles acham que podem
dar remédios ao mundo. É de dar risada o diagnóstico do FMI sobre a Grécia: a
Grécia comeu demais e agora tem que descomer — disse.
Delfim disse que a economia brasileira ainda tem muito a melhorar, mas que se
encontra em franco processo de “recuperação criativa”. Destacou que as
instituições fortes, como por exemplo o Supremo Tribunal Federal (STF), são
ativos importantes para a imagem do país.
— Ouso dizer que não existe nenhum país emergente que tenha um Supremo com
essas condições de independência, que procura fazer justiça e não ouvir a voz da
rua, que quer sempre vingança —disse.
Diretor para o Brasil e outros oitos países latino-americanos no Fundo
Monetário Internacional (FMI), Paulo Nogueira Batista Junior disse que o Brasil
aprendeu, a duras penas, a sair da situação de dependência do mercado
externo.
— Trinta anos depois, o Brasil mudou sua posição completamente. Não é mais um
país com o pires na mão. Quando assumi o cargo que ocupo hoje no FMI, em 2007,
jamais poderia imaginar um cenário como esse — disse.
Em 1982, o Brasil tinha reservas internacionais de apenas US$ 3,9 bilhões.
Hoje, as reservas do país somam US$ 376,5 bilhões.
Para Galvêas, os grandes bancos brasileiros estão bem hoje porque respeitam
limites de endividamento, sem correr mais riscos do que podem suportar:
— Nós estamos blindados no nosso sistema. Mas aqui está ocorrendo um desastre
ainda de proporções incalculáveis, que é o fato de nossa indústria não crescer.
Se a indústria não cresce, não faz investimentos e não cria oportunidade de
investimento, caminha-se para uma crise.
Trinta anos após o “setembro negro” de 1982, Galvêas, Delfim, Langoni e
Freitas continuam na ativa, trabalhando como consultores ou ligados a entidades
de classes.
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