A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) reformou seu entendimento
para não mais admitir habeas corpus que tenham por objetivo substituir o Recurso
Ordinário em Habeas Corpus (RHC). Segundo o entendimento da Turma, para se
questionar uma decisão que denega pedido de HC, em instância anterior, o
instrumento adequado é o RHC e não o habeas corpus.
A mudança ocorreu durante o julgamento do Habeas Corpus (HC) 109956, quando,
por maioria de votos, a Turma, acompanhando o voto do
relator do processo, ministro Marco Aurélio, considerou inadequado o pedido de
habeas corpus de um homem denunciado pela prática de crime de homicídio
qualificado, ocorrido na cidade de Castro, no Paraná. A Turma também entendeu
que as circunstâncias do caso concreto não viabilizavam a concessão da ordem de
ofício.
O réu pretendia obter a produção de novas provas e já havia feito o pedido de
habeas corpus no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) e no Superior Tribunal de
Justiça (STJ). Em ambas as instâncias o pedido foi rejeitado. Contra a negativa,
a defesa impetrou habeas corpus no STF, em vez de apresentar um RHC. Segundo o
ministro Marco Aurélio, relator, há alguns anos o Tribunal passou a aceitar os
habeas corpus substitutivos de recurso ordinário constitucional, mas quando não
havia a sobrecarga de processos que há hoje.
A ministra Rosa Weber acompanhou o voto do ministro-relator no que chamou de
“guinada de jurisprudência”, por considerar o habeas, em substituição ao RHC, um
meio processual inadequado.
A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha e o ministro Luiz Fux também votaram no
sentido do novo entendimento.
Divergência
O presidente da Turma, ministro Dias Toffoli, divergiu do relator e se
manteve alinhado ao procedimento até agora adotado pela Corte,
entendendo cabível o habeas corpus. “Desde o Código Processual Penal do Império
é previsto que sempre que um Juízo ou Tribunal se depare com uma ilegalidade,
ele a [ordem] conceda, mesmo que de ofício e mesmo em autos que não sejam de
matéria criminal. Eu não vejo como colocar peias à viabilização do acesso do
habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário”, disse o ministro antes de
proclamar a mudança na jurisprudência da Turma.
Preliminar
A questão foi decidida no julgamento do HC 109956, mas começou a ser
discutida quando a Turma analisou o HC 108715, durante a apresentação de uma
questão preliminar no voto do relator do processo, ministro Marco Aurélio. Este
HC foi apresentado pela defesa de uma mulher denunciada perante a Justiça do Rio
de Janeiro pela prática de descaminho, lavagem de dinheiro e organização
criminosa na chamada Operação Negócio da China, investigada pela Polícia Federal
em 2008.
Em sua preliminar, o ministro defendeu que a Turma não mais admitisse o uso
do Habeas Corpus para substituir o Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC). O
ministro Marco Aurélio observou que o STF recebeu somente no primeiro semestre
deste ano 2.181 HCs, contra apenas 108 Recursos Ordinários em Habeas Corpus.
Citou como exemplo ainda o caso do Superior Tribunal de Justiça, onde,
segundo ele, ocorre a mesma distorção com a impetração de 16.372 habeas corpus e
apenas 1.475 recursos ordinários.
“O habeas corpus substitutivo do recurso ordinário, além de não estar
abrangido pela garantia constante do inciso LXVIII do artigo 5º do Diploma
Maior, não existindo sequer previsão legal, enfraquece este último documento,
tornando-o desnecessário no que, nos artigos 102, inciso II, alínea “a”, e 105,
inciso II, alínea “a”, tem-se a previsão do recurso ordinário constitucional a
ser manuseado, em tempo, para o Supremo, contra decisão proferida por Tribunal
Superior indeferindo ordem, e para o Superior Tribunal de Justiça contra ato de
Tribunal Regional Federal e de Tribunal de Justiça”, apontou o relator.
O ministro Marco Aurélio acrescentou que “o Direito é avesso a sobreposições
e impetrar-se novo habeas, embora para julgamento por tribunal diverso,
impugnando pronunciamento em idêntica medida implica inviabilizar, em detrimento
de outras situações em que requerida, a jurisdição”.
Ainda segundo o ministro, a mudança de entendimento na Turma não acarretará
prejuízo àquele que já impetrou o habeas corpus como substituto de recurso
ordinário, “ante a possibilidade de vir-se a conceder, se for o caso, a ordem de
ofício”, explicou o ministro em seu voto.
O julgamento desse habeas corpus (108715) foi interrompido por um pedido de
vista do ministro Luiz Fux, que na preliminar acompanhou o relator. O ministro
Luiz Fux lembrou que assim como o Tribunal já decidiu que não cabe Mandado de
Segurança como substituto de recurso ordinário (RMS), assim também deve ser para
“não vulgarizar a utilização do habeas corpus”.
O ministro Fux, porém, pediu mais tempo para analisar se acompanha ou não o
relator quanto à concessão do habeas de ofício, para o trancamento da ação penal
na parte relativa à prática de organização criminosa. Os demais ministros da
Turma vão aguardar a apresentação do voto-vista do ministro Fux.
Contudo, em razão do periculum in mora (perigo na demora) presente no
caso concreto, uma vez que a instrução processual já se concluiu e o processo
aguarda prolação de sentença, a Turma, por unanimidade, acolheu a proposta do
relator e concedeu medida liminar para suspender a tramitação do processo na
instância de origem, até o final julgamento do habeas corpus, que deverá
retornar a julgamento com o voto-vista do ministro Luiz Fux.
Processos
relacionados HC 108715 HC 109956 |
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