Por Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
A pergunta de um milhão de dólares não pode ser ainda respondida.
Mesmo sendo impossível prever o resultado do julgamento, temos disponíveis as
narrativas de acusação e defesa no processo do mensalão para um cotejo de, senão
credibilidade, ao menos verossimilhança. De pura lógica. Ou se o leitor
preferir, do mais comezinho confronto com a realidade.
Vamos nos ater aqui ao chamado núcleo político onde figuram os principais
réus e em cujas ações residem os objetivos da organização que o Supremo Tribunal
Federal aos idos de setembro dirá se criminosa ou não.
O advogado de José Dirceu aceitou o pressuposto do procurador-geral da
República da elaboração do relato tomando como base forte as provas
testemunhais.
Portanto, têm-se até agora duas versões. Preparadas a partir de óticas
distintas, ambas baseadas em fatos aceitos pelas partes: a necessidade de o PT
fazer "caixa" após a eleição de 2002, os empréstimos bancários tomados por
intermediação de agência de publicidade, os repasses em espécie a petistas e
associados.
Segundo a denúncia, disso decorreram caudalosos ilícitos: o partido valeu-se
dos instrumentos de poder recentemente conquistado para desviar dinheiro
público, corromper parlamentares, fraudar contratos a fim de viabilizar seu
projeto que, embora vitorioso na eleição do presidente, não havia conquistado
nas urnas maioria no Congresso.
A procuradoria aponta o então chefe da Casa Civil como mentor e coordenador
dos trabalhos, o tesoureiro do PT como encarregado de viabilizar as transações
financeiras junto ao arrecadador Marcos Valério e o presidente do partido como
interlocutor junto aos cooptáveis e carimbador das formalidades dos acertos.
O que disse a defesa?
José Dirceu desligou-se do PT, mal sabia o que se passava por lá, José
Genoino não se envolvia nos assuntos financeiros do partido que presidia e
Delúbio Soares fez tudo à revelia.
Não para comprar apoios porque, conforme argumentaram os advogados dos três,
o dinheiro serviria para pagar dívidas do PT, nunca para financiar a adesão de
partidos já aliados ao governo.
Narrativa por narrativa, a da acusação tem começo, meio e fim, mas a da
defesa não "fecha".
Notadamente se comparada a descrição da defesa ao comportamento de Dirceu,
Delúbio e Genoino antes do primeiro escândalo do governo Lula, em 2004, quando o
encarregado de fazer a "ponte" entre a Casa Civil e o Congresso, Waldomiro
Diniz, foi mostrado em vídeo em esquisitas transações com Carlos
Cachoeira.
A partir daí passaram a ser mais discretos, mas até então carregavam seus
estandartes de poder com estardalhaço em toda parte. Delúbio transitava pelo
Palácio e por gabinetes ministeriais e celebrava orgulhoso seu direito de "fazer
política".
Genoino não escondia que a nova "base" era cooptável mediante vantagens
propiciadas pelo aparelho de Estado e José Dirceu era o mais barulhento
porta-voz das diretrizes de governo conjugadas aos interesses do PT.
Não é construção mental. Está tudo registrado no noticiário da época e na
memória de quem por dever de ofício jornalístico convivia com uma realidade que
a narrativa dos advogados transformar em desconstrução factual.
@MTBreal. Márcio Thomaz Bastos não deixou a defesa de Carlos Cachoeira por
causa da abordagem da mulher do bicheiro ao juiz do processo na Justiça de Goiás
nem porque a presidente Dilma Rousseff teria imposto essa condição para retomar
diálogo com o advogado.
Thomaz Bastos tomou a decisão para se reconciliar, é verdade. Mas não com
Dilma e sim com Lula que, segundo gente muito próxima a ele, ficou "alucinado"
com a presença de seu conselheiro jurídico na banca de Cachoeira e fez saber a
ele que, com isso, perdia a condição de figurar como seu interlocutor na
área.
A já famosa conversa com Gilmar Mendes habitualmente seria tarefa para Márcio
Thomaz Bastos.
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