Não há interesse processual em ingressar com ação
judicial para obter benefício previdenciário sem que haja resistência
administrativa prévia à pretensão, no caso concreto ou de forma notória.
Conforme decisão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
o Judiciário é via de resolução de conflitos, não havendo prestação
jurisdicional útil e necessária sem que haja a prévia resistência do suposto
devedor da obrigação. Para o relator, ministro Herman Benjamin, o Judiciário não
pode se transformar em agência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
“A pretensão nesses casos carece de qualquer elemento configurador de
resistência pela autarquia previdenciária. Não há conflito. Não há lide. Não há,
por conseguinte, interesse de agir nessas situações”, afirmou o ministro
Benjamin, ao rejeitar o recurso de um segurado contra o INSS.
“O Poder
Judiciário é a via destinada à resolução dos conflitos, o que também indica que,
enquanto não houver resistência do devedor, carece de ação aquele que
judicializa sua pretensão”, completou.
Agência judicial
“A questão que considero relevante nessa análise é que o Poder
Judiciário está assumindo, ao afastar a obrigatoriedade de prévio requerimento
administrativo, atividades de natureza administrativa, transformando-se –
metaforicamente, é claro – em agência do INSS”, acrescentou o relator.
O
autor da ação afirmou que o INSS recusa reiteradamente o direito pretendido na
Justiça. Porém, o ministro verificou dados do INSS que mostram uma rejeição de
apenas 40% das solicitações daquele tipo no ano em que iniciada a ação. Ou seja,
se facultada a via judicial direta, de cada dez processos seis poderiam ter sido
resolvidos na via administrativa. Ele apurou ainda que naquele ano somente 8%
das concessões de benefícios foram feitas pelo Judiciário, os demais casos foram
atendidos administrativamente pelo próprio INSS.
“A repercussão da tese
jurisprudencial aqui contraposta atinge também a própria autarquia
previdenciária. Observada a proporção de concessões administrativas acima, o
INSS passa a ter que pagar benefícios previdenciários, que poderia deferir na
via administrativa, acrescidos pelos custos de um processo judicial, como juros
de mora e honorários advocatícios”, observou ainda o ministro.
Exaurimento administrativo
O relator ponderou
que no caso de resistência notória da autarquia à tese jurídica reconhecida pelo
Judiciário, seria inútil impor ao segurado a exigência de prévio pedido
administrativo, quando o próprio INSS adota posicionamento contrário ao
embasamento jurídico do pleito.
Ele também destacou que não se trata de
exigir o exaurimento da instância administrativa, o que é vedado por súmula do
STJ e do extinto Tribunal Federal de Recursos (TFR).
Repercussão
geral
O ministro Herman Benjamin afastou a incidência da
repercussão geral declarada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso
Extraordinário 631.240 para o caso julgado. “Com o devido respeito a
entendimentos em contrário e ciente da pendência de decisão na Corte Suprema, a
resolução da problemática jurídica em debate não se resolve no âmbito
constitucional”, afirmou.
Para ele, a questão não trata do direito
fundamental lançado na Constituição, no artigo 5º (“XXXV – a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”). “Em uma análise
perfunctória, concluir-se-ia facilmente que o direito fundamental de ação,
garantido pelo preceito acima transcrito, é o centro da discussão aqui travada”,
observou. “Tenho a convicção, todavia, de que a resolução da matéria gravita no
âmbito infraconstitucional”, ponderou.
O relator apontou que não se
trata de violar o direito de ação, mas de analisar as condições da ação – no
caso, o interesse de agir. Dessa forma, o direito fundamental de ação é limitado
pelas condições da ação previstas na legislação processual.
Lesão e conflito
Nessa perspectiva, o ministro
afirmou ainda que é preciso haver lesão a um direito para permitir o exercício
do direito de ação. “A existência de um conflito de interesses no âmbito do
direito material faz nascer o interesse processual para aquele que não conseguiu
satisfazer consensualmente seu direito”, asseverou.
A decisão segue
linha de julgamentos do STJ em casos similares, como nas hipóteses de
indenização pelo seguro por danos pessoais causados por veículos automotores de
via terrestre (DPVAT), compensação tributária, habeas data e cautelar de
exibição de documentos, por exemplo.
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