Por Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Tem sido desproporcional a energia empregada por parte de integrantes da CPMI
para resguardar o sigilo de informações que todos os dias chegam de alguma forma
à imprensa e o esforço empregado nas investigações propriamente ditas.
Instalam-se câmeras na sala do "cofre", fica proibida a entrada de
assessores, veta-se o uso de aparelhos eletrônicos, monta-se vigilância 24 horas
ao molde de um aparato de preparação para a guerra. Empreendimento um tanto
inútil frente aos vazamentos diários por outras vias que não o Congresso.
Fica parecendo mais um teatro com vistas a, em algum momento, criminalizar a
comissão desviando o foco da discussão do conteúdo para a forma, ou uma
justificativa prévia para proteções indevidas.
Não deixa de ser uma contradição em termos, pois o autointitulado "Poder mais
aberto da República" só instalou a comissão de inquérito para esmiuçar o alcance
das relações de um "capo" do jogo ilegal com agentes públicos e privados por
causa da divulgação dos grampos telefônicos feitos pela Polícia Federal, na
Operação Monte Carlo, a despeito do sigilo de Justiça.
Se a imprensa não tivesse publicado o conteúdo de telefonemas entre o
contraventor Carlos Augusto Ramos, vulgo Cachoeira, e o senador Demóstenes
Torres, não haveria nem CPMI nem abertura de processo no Conselho de Ética
contra o parlamentar.
Continuaríamos acreditando na lisura e no rigor de Demóstenes, bem como as
relações da empreiteira Delta com o poder público federal, estadual e municipal
ainda seriam apenas objeto de dispersas suspeitas.
Até então só o que se sabia sobre a empresa de Fernando Cavendish era que
apresentava um crescimento exorbitante em seus negócios País afora e que o dono
mantinha amizade com o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho.
Proximidade tão passível de questionamentos de ordem pública, que por causa
dela o governador providenciou a elaboração de um código para informar a si e à
administração estadual o que significa comportamento ético.
O plano de trabalho da CPMI aprovado na semana passada saiu até bem razoável.
Mas, uma coisa é o plano, outra o trabalho propriamente dito.
Nesse aspecto está se desenhando um cenário preocupante de lentidão e
confusão no tocante às investigações em contraste com a agilidade para a
montagem de uma casamata para o abrigo das informações.
Há diferenças, como já alertaram o deputado Miro Teixeira e o senador Pedro
Taques, ambos integrantes da comissão, entre o segredo necessário ao bom
andamento das investigações e o sigilo que protege o bandido.
No Brasil ninguém está obrigado a fazer nada que não seja por determinação de
lei. E a lei maior, a Constituição, em seu artigo 37, obriga a administração
pública a seguir os princípios da probidade, da impessoalidade, da eficiência e
da publicidade.
O esforço demandado em prol do segredo pode vir a se chocar com todos esses
preceitos. Eventualidade que começará a ser esclarecida no debate interno sobre
a convocação de governadores de alguma maneira, direta ou indireta, suspeitos de
possíveis ligações com as organizações Cachoeira.
Nesse embate já vamos perceber se vai prevalecer a disposição de desvendar os
crimes ou se a ideia é fazer da comissão uma arena de joguinhos de queda de
braço entre partidos.
O esclarecimento sobre envolvimentos de poderes executivos estaduais e
municipais só será possível ser feito sob o olhar de todo o País no ambiente do
Congresso Nacional, como indicam os frágeis ensaios de se instalarem comissões
de inquérito locais.
A dificuldade guarda relação com a influência de governadores e prefeitos
sobre os respectivos legislativos e também com o déficit de independência da
imprensa no âmbito regional.
Se quiser ser levada a sério a CPMI precisa oferecer ao público mais que
segredos de polichinelo. Sem uma aliança com a transparência não avança para
além daquilo que já se sabe. E sabe-se, aliás, graças à liberdade de imprensa um
dos pilares do resguardo do direito da sociedade à informação.
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