Por Celso Ming - O Estado de S.Paulo
É natural que os mercados não tenham se exasperado ontem com a vitória do
socialista François Hollande (foto) nas eleições presidenciais da França.
O último que assumiu a presidência da França com discurso de esquerda foi
François Mitterrand, em 1981. Levou um ano e meio para abandonar seus discursos
e adotar reconhecidamente uma política econômica ortodoxa. Teve todo esse prazo
porque, à época, a França não era tão desesperadamente dependente (e refém) dos
bancos no financiamento do seu déficit público.
Hollande não terá tanto tempo assim. Já nas primeiras semanas de exercício do
seu cargo, terá de explicar aos mercados com quantos paus se fará a canoa do
crescimento econômico defendido em seus discursos.
Há somente uma semana, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, parecia
reconhecer que a recuperação da área do euro não poderia se fiar apenas na
austeridade - como saíra no pacto fiscal de final de janeiro. Tinha de ser
apoiada também numa forte agenda de crescimento - conforme defendia Hollande.
Mas ontem veio o recado de Berlim: "O pacto fiscal é inegociável".
O problema é que as concepções de crescimento econômico de Merkel e Hollande
não são exatamente as mesmas. Merkel defende a austeridade das contas públicas
como precondição do crescimento sustentável. Hollande parece privilegiar o
avanço das despesas públicas, financiadas com o despejo de títulos públicos cujo
principal comprador seria o Banco Central Europeu.
Mas a questão central não é fiscal. Ou seja, não é o desequilíbrio das contas
públicas, mas a baixa competitividade da França e de quase todo o bloco do euro
- como advertem, nisso com razão, os economistas Paul Krugman e Joseph Stiglitz.
Isso posto, ganhos de competitividade terão de ser recuperados por meio de
ajustes de renda (salários e aposentadorias), processo no qual a Alemanha está
bem mais avançada.
Mais do que o saneamento das contas públicas, o processo de crescimento
econômico e de ganhos de escala (aumento da produtividade) terá de acontecer com
reformas mais profundas - que, por vezes, são mencionadas por eufemismos como
flexibilização das leis trabalhistas e novas condições previdenciárias.
O principal fator por trás da perda de competitividade e do avanço do
desemprego nos países avançados e, especialmente, na Europa é o enorme processo
mundial de redistribuição do trabalho, que vem incorporando entre 40 milhões e
50 milhões de asiáticos por ano ao mercado de trabalho (e de consumo). É a
incorporação de mão de obra barata e o crescente emprego de Tecnologia de
Informação que produz o impressionante barateamento dos produtos industriais,
que vão alijando do mercado global os sistemas produtivos incapazes de se
atualizar.
É daí que vem a enorme transferência da indústria e do setor produtivo para a
Ásia e para um punhado de países ainda em desenvolvimento. A crise financeira
somente escancarou as fragilidades antes latentes dos países avançados. O
principal concorrente da França e da periferia da Europa não é a Alemanha, mas a
China - verdade para a qual o consumidor europeu mal-acostumado com as benesses
do Estado de bem-estar social se recusa a abrir os olhos.
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