Por Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Seria uma impropriedade dizer que há dois pesos e duas medidas na CPMI em
cartaz. O que se vê ali são vários pesos na manifestação de posições e nenhuma
medida aplicada aos critérios para a tomada de decisões.
Vejamos o caso do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, um alvo
antecipado, assumida e calculadamente escolhido pelo PT. No primeiro momento
prevaleceu o entendimento sustentado no impedimento legal que, no caso de
comparecimento do procurador como testemunha à comissão, poria em risco sua
função de titular de eventual ação junto ao Supremo Tribunal Federal.
Depois do depoimento do delegado da Polícia Federal Raul Alexandre de Souza -
feito sob a ridícula, por vã, égide do sigilo - houve alteração de opiniões e
sobressaiu-se a compreensão de que o procurador teria se "complicado".
E por quê? Porque o policial disse que Roberto Gurgel não tomou providências
quanto à Operação Vegas que deu origem à Monte Carlo, causa da prisão de Carlos
Augusto Ramos, vulgo Cachoeira, e geradora do escândalo em tela. Tal informação,
apesar de sobejamente conhecida, foi interpretada como razão suficiente para se
chamar o procurador à CPMI, pois haveria aí indícios de prevaricação.
É de se perguntar quais seriam eles, visto que Gurgel não arquivou o
inquérito. Onde está o fato?
Mas, tomemos como aceitável que os deputados e senadores considerem como
suspeita a decisão da procuradoria, apenas para facilitar o raciocínio sobre a
abundância de pesos e carência de medidas na CPMI. Indícios por indícios, há
também indicativos de que a convocação do procurador atenda a interesses
escusos: vingança, desmoralização e questionamento legal da atuação de Gurgel no
processo. Seria o caso de se investigar tais indícios?
Provavelmente não, pois foge ao foco da CPMI. Já os três governadores
suspeitos de envolvimento direto ou indireto com o esquema de corrupção
coordenado pelo prisioneiro acima referido e do qual seria um dos braços a
construtora Delta, estão sem dúvida enquadrados no objeto da investigação.
No entanto, há resistência tanto em chamar os governadores quanto em abrir à
exibição pública os negócios da Delta com governos federal, estaduais e
municipais. Qual o argumento? O de que existiriam apenas indícios. Insuficientes
para justificar a pisada firme da CPMI nessa seara.
Segundo o vice-presidente da República, Michel Temer, no papel de defensor do
PMDB, o governador do Rio de Janeiro não fez nada além de "jantar" com Fernando
Cavendish, dono providencialmente afastado da empreiteira.
Por esse raciocínio, então o governador de Goiás, Marconi Perillo, apenas
"telefonou" para Cachoeira e o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz,
nada fez além de se "encontrar" uma vez com o personagem para "conversar
amenidades".
No mundo virtual dos muitos pesos e nenhuma medida pode ser que seja assim.
Mas a realidade não se conduz com semelhante ligeireza.
Cabral precisa deixar claro que sua amizade com Cavendish não guarda relação
alguma com os contratos da Delta, vários sem licitação, com o governo do Rio,
sem falar na prestação de contas sobre despesas de viagens e festividades
nacionais e internacionais.
Perillo deve explicações sobre doações do dito Cachoeira para campanhas
eleitorais, sobre tráfico de informações entre a chefia das operações ilegais e
funcionários de seu gabinete, sem falar na esquisitice de pagamentos feitos
dentro do Palácio do governo goiano conforme indicam diálogos nos grampos
telefônicos da PF.
Agnelo necessita dissertar a respeito de várias questões levantadas no
inquérito da PF: favorecimentos da Delta em contratos para coleta de lixo no DF,
pagamento de propina para a liberação de pagamentos devidos à empresa, relações
do seu ex-chefe da gabinete com as organizações Cachoeira e espionagem de
adversários feita por gente do Gabinete Militar do governo de Brasília.
Meros vestígios, tão somente indícios? Bem mais robustos que a difusa
desconfiança sobre a conduta do procurador-geral.
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