Do UOL, em São Paulo
Roberto Pereira de Souza
- Ana Carolina Fernandes/ FolhapressRicardo Teixeira e João Havelange em evento no Rio de Janeiro (01/02/2005)
Agora está confirmado: Ricardo Teixeira usou a empresa Sanud junto com João
Havelange para receber comissões em nome da Fifa e não repassou os valores aos
cofres da entidade. Os valores finais ainda não foram fechados pela Justiça da
Suíça, mas os subornos podem ter passado de US$ 40 milhões, entre 1978 e 2000. O
escândalo está sendo investigado pelo Parlamento Europeu, que divulgou um
relatório parcial esta semana.
Parte dessas comissões milionárias foram recebidas pelos brasileiros entre
1989 e 1998, ano em que Havelange se afastou da presidência da Federação, depois
de cumprir mandatos seguidos desde 1974.
Além da Sanud, empresa investigada na CPI do Futebol em 2001 (e que tem o
irmão de Teixeira, Guilherme, como procurador, no Brasil) os dois brasileiros
usaram também o fundo Renford Investiments, e a empresa Garantie JH para
coletar propinas na venda de direitos de transmissão dos jogos das Copas do
Mundo, “para um país da América do Sul”.
As informações foram amplamente investigadas pelo promotor suíço Thomas
Hildebrand que abriu ação criminal contra os dois brasileiros, mantendo seus
nomes sob sigilo judicial.
Mas alguns documentos exclusivos obtidos por UOL Esporte,
no ano passado, permitem cruzar as datas dos depósitos efetuados em
várias contas de empresas de fachada, usadas no maior escândalo de corrupção
esportiva, que chega a 122,6 milhões de francos suíços ou cerca de US$ 160
milhões no total.
Parte desse dinheiro (mais de US$ 40 milhões) ficou nas contas dos dois
brasileiros que estavam por trás de um grupo de empresas listadas pela
promotoria suíça.
Mesmo mantendo o sigilo judicial imposto ao processo criminal que ainda
tramita na Suíça, o promotor Hildbrand deu detalhes sobre as operações das duas
pessoas denunciadas no recebimento de propina. Essas pessoas foram codificadas
pelas letras H (Teixeira) e E (Havelange).
A reportagem do UOL Esporte tentou localizar os advogados de Ricardo
Teixeira e Guilherme Teixeira, mas não obteve o sucesso no contato com os
defensores da dupla.
Na Suíça, corrupção privada só é enquadrada em crime quando envolve suborno
em contratos comerciais. “Por isso as pessoas H e E foram incriminadas”,
explicou o promotor usando as duas letras para proteger a identidade dos
brasileiros.
Segundo Hildbrand, “os dois, E e H, tinham participação financeira na
companhia G (Sanud). Detalhes das operações individuais podem ser conhecidos no
quadro abaixo”.
Por esse quadro divulgado pelo Comitê Europeu de Cultura, Ciência, Educação e
Mídia, que também investiga o maior escândalo do futebol mundial, 32 depósitos
foram feitos entre 10 de agosto de 1992 até 4 de maio de 2000, na conta da Sanud
(empresa G).
O Parlamento Europeu divulgou nesta semana parte do conteúdo do processo que
investiga o escândalo. Para preservar o sigilo judicial, o promotor apenas
listou os depósitos feitos e a Comissão Europeia excluiu os nomes das empresas
denunciadas.
Porém, cruzando as informações divulgadas esta semana pelo Parlamento Europeu
com um dossiê de lista de empresas beneficiadas a que o UOL
Esporte teve acesso, ano passado, foi possível checar cada depósito
realizado com os nomes das empresas beneficiadas: A Sanud e a Garantie JH
receberam entre 1992 e 1997, 22 repasses financeiros, totalizando US$ 10
milhões. A Garantie JH recebeu em um único depósito de 3 de março de 1997, US$
1 milhão. Os outros dez repasses foram feitos para a conta da Renford
Investiments Ltd.
Apesar da coincidência das letras JH, até o relatório divulgado pelo
Parlamento Europeu não se poderia afirmar que a Garantie era operada por João
Havelange. A confirmação foi possível porque dados sigilosos do processo obtidos
pelo UOL Esporte trazem a lista dos depósitos associada aos
nomes das empresas beneficiárias. O roteiro de datas e valores divulgados pelos
comissários europeus foi decisivo para o cruzamento dos nomes das empresas.
A dinheirama manipulada pela Fifa passava antes pelos cofres da International
Sports Leisure (ISL), empresa de marketing esportivo montada por Havelange em
associação com Adidas e a japonesa Dentsu, nos anos 80. A ISL tinha 50% de
capital japonês e acabou quebrando em 2001.
A falência da ISL chamou a atenção do Ministério Público e uma investigação
criminal foi aberta na Suíça para apurar os motivos da falta de caixa. Um dos
executivos da empresa, Jean Marie Weber, abriu o jogo e contou como o esquema
funcionava.
Há ainda outro detalhe importante revelado pelo promotor Hildbrand e que
ajudou a confirmar os nomes dos brasileiros: “alguns depósitos foram feitos em
contas dos filhos do suspeito H (Teixeira) e um dos contratos assinados pela
Fifa leva a assinatura do suspeito E, em 97 e 98”.
Está claro também de onde os dois recebiam comissão pela venda exclusiva dos
direitos de transmissão do jogos: “O pagamento foi feito pela ISL e uma de suas
subsidiárias a ISMM Investiments, que recontratava empresas para vender direitos
de televisão e rádio a um país da América do Sul”. Os dois únicos interessados
em direitos de televisão na América do Sul e que eram oficiais da Fifa, e que
operavam a Sanud e a Garantie JH, são Ricardo Teixeira e João Havelange.
“Os pagamentos foram feitos direta ou indiretamente aos dois (H e E); ambos
eram executivos da Fifa e um deles ainda é”, revelou o promotor aos
parlamentares europeus em depoimento dado em março de 2012.
Saem Sanud, Garantie JH e entra a Renford
O último depósito feito na conta da Sanud (que, no Brasil era operada pelo
irmão de Ricardo Teixeira, Guilherme) foi feito no dia 30 de março de 1997. A
partir de março de 1998 entra em cena a Renford Investiments para receber em um
único depósito a soma de US$ 2 milhões.
“Os pagamentos foram feitos como venda de influência pessoal na negociação
dos direitos exclusivos de transmissão dos jogos da Copa do Mundo. Esses
pagamentos se referem a contratos assinados em 12 de dezembro de 1997 e maio de
1998 pelo acusado E”, revela o promotor.
Esses contratos negociavam a transmissão da Copa de 2002 (no Japão e Coreia).
Era o último ano de Havelange à frente da Fifa e ele assinou os contratos de
venda de direitos como presidente da entidade.
“O acusado E ficou rico com as comissões recebidas e não cumpriu seu dever
de repassar esses valores aos cofres da Fifa, que acusou prejuízo de igual
valor", denuncia.
A mesma acusação se refere ao acusado H (Teixeira) como um dos beneficiários
da empresa Sanud.
“As somas recebidas foram levadas em dinheiro por um cidadão de Andorra e
depositadas em três contas dos filhos de H”, revela o promotor. “Parte do
dinheiro saiu também do Bank of America, nos Estados Unidos”.
Entre 10 de agosto de 1992 e 4 de maio de 2000 as empresas operadas por
Havelange e Teixeira receberam US$ 15,6 milhões. Mas outra montanha de dólares
passou por outras empresas antes desse período. Estima-se que empresas como
Wando, Ovada, Beleza e Sicuretta também receberam cerca de US$ 60 milhões:
“Esse interesse por promoção esportiva começou na Fifa nos anos 1970”,
revelou um ex-gerente da ISL ao promotor Hildbrand. “A ISL perseguiu esses
objetivos desde sua fundação. As atividades continuaram, mas agora há uma
espécie de fundação que opera com fundo de investimento único”.
Teixeira e Havelange escapam da condenação
Embora o caso chame a atenção do investigadores europeus, o fato é que o
promotor Hildbrand não vê caminhos claros para abrir novo processo criminal
contra os acusados H e E. “Houve um acordo judicial e parte do dinheiro foi
depositado na conta da falida ISL”, explicou o promotor em seu depoimento.
“A Fifa foi a principal interessada no acerto. Seus advogados na Suíça
lutaram muito para esse acordo e não existe mais queixa de prejuízo causado aos
cofres da entidade. O interesse da Fifa sugere que a entidade sabia de tudo o
que ocorria e suspeitamos que a entidade tenha feito pagamento por terceiros ”,
disse o promotor. “ O pagamento do acusado H (Teixeira) foi feito pelo mesmo
escritório de advocacia que trabalha para a Fifa”, concluiu Hildbrand.
Para encerrar o processo na justiça suíça, Havelange acertou com a Fifa a
devolução de cerca de US$ 400 mil dólares:
“A idade avançada do acusado e a consequente redução de sua capacidade de
ganho e de aposentadoria fizeram com que a promotoria aceitasse o pagamento de
500 mil francos suíços”.
Um depósito de US$ 1 milhão foi feito na conta da Garantie JH e foi
confirmado pelo promotor Hildbrand “como sendo na conta do acusado E, que é
idoso e está aposentado”.
O suspeito H (Teixeira) encerrou o caso com a devolução de cerca de US$ 2,6
milhões. O dinheiro foi depositado na conta de massa falida da ISL, que ainda
precisa pagar seus credores.
Na opinião do promotor Thomas Hildbrand, a Fifa sempre soube do escândalo,
porque Joseph Blatter está na entidade desde 1974 e sempre ocupou cargo de
gerência executiva e secretaria geral, até ser eleito presidente em 1998,
substituindo João Havelange.
Ricardo Teixeira renunciou a seu cargo executivo na Fifa, em março de 2012.
João Havelange renunciou a cargo vitalício no Comité Olímpico Internacional, em
meio a investigação por corrupção. Havelange está internado no hospital
Samaritano no Rio de Janero, desde 18 de março, vítima de infecção no tornozelo
direito.
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